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Marcelle Carvalho

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Ana Hikari e o racismo contra o povo amarelo: 'Nos veem como algo exótico'

Ana Hikari, a Vanda de "Quanto Mais Vida, Melhor!": atriz é porta-voz da representatividade asiática - Fabio Rocha/TV Globo/Divulgação
Ana Hikari, a Vanda de 'Quanto Mais Vida, Melhor!': atriz é porta-voz da representatividade asiática Imagem: Fabio Rocha/TV Globo/Divulgação

Colunista do UOL

27/11/2021 04h00

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Ainda estava muito fresca na nossa memória as performances de Daphne Bozaski, Heslaine Vieira e Gabriela Medvedovski como três das cinco amigas de "Malhação - Viva a Diferença" e do spin-off "As Five", quando foram escaladas para "Nos Tempos do Imperador". Porém, foi um alívio constatar que elas não trouxeram nenhum resquício das adolescentes para as novas personagens, que estão dando a elas a oportunidade de confirmar seus talentos. Agora, é a vez de Ana Hikari se despedir da 'five' Tina e passar por essa 'prova de fogo' como Vanda, em "Quanto Mais Vida, Melhor!"

Nada que assuste a atriz, já na expectativa de colocar seu bloco na rua.

Estou feliz e bem ansiosa para ver tudo, porque foi um projeto que fizemos nos divertindo muito, com um elenco muito talentoso", diz Ana, que dá uma pincelada sobre Vanda:

Ela é uma garota com uma banda que toca na night da Tijuca. Vanda tem poucos amigos, é mais fechada, gosta muito de música e cuida muito da sua amizade com Murilo (Jaffar Bambirra). Ele é seu melhor e talvez o único amigo. Eles moram juntos num loft na Tijuca e, quando a Flávia (Valentina Herszage) entra na vida dos dois e na banda também, ela acaba sofrendo as consequências desse triângulo amoroso que vai surgir."

Mas não é só a estreia da novela e a curiosidade em saber como será recebida a nova personagem que povoam os pensamentos de Ana. Considerada uma das porta-vozes sobre a representatividade asiática, a atriz joga luz em questões como o racismo contra pessoas amarelas e visibilidade na mídia. Tal discussão ganha maior amplitude principalmente por estarmos no mês em que se comemora a Imigração Japonesa no Brasil.

Acho que o Brasil ainda precisa aprender que pessoas amarelas são racializadas, não são brancas e passam por processos de discriminação racial no nosso país. Abrir espaço na mídia para essa identidade é mostrar nossas questões, nos humanizar, nos tirar da invisibilidade dentro da sociedade e fazer com que a sociedade nos inclua e trate com dignidade", afirma a artista.

Inclusive, Ana ficou bem indignada ao ver uma espécie de "homenagem" feita pelo "Mais Você" à comunidade asiática, em julho, e não ficou calada. Na ocasião, um homem apareceu no programa vestido de samurai, trocando a letra 'R' por 'L', além de ter o rosto pintado, o que é considerado yellowface, por colocar alguém que não pertence àquela etnia como representante.

Ainda nos veem como um token, um "chaveirinho" de diversidade, algo que é 'diferente' e 'exótico'. Isso faz parte da desumanização resultante da discriminação racial. A partir do momento que a representatividade acontecer dentro das produções, nas salas de roteiro, nas equipes de direção e criação das produções audiovisuais, aí sim vamos parar de assistir 'homenagens' equivocadas e ofensivas como aconteceu nesse evento", dispara a atriz.

Ana sabe que essa mudança tão necessária não será feita da noite para o dia. Porém, mostra um caminho para que equívocos não sejam mais cometidos.

Enquanto não há diversidade na equipe de criação, as pessoas brancas têm que se esforçar para ouvir, estudar e conseguir olhar com o mínimo de dignidade para grupos racializados e, assim, não criar produtos racistas. Mas o principal é que a representatividade na tela aconteça na frente e por trás das câmeras."

Ancestralidade poderosa

Coincidentemente, o mês em que se comemora a Imigração Japonesa no Brasil também é o que se celebra o Dia da Consciência Negra. Filha de pai negro e mãe amarela ('Sou neta de japoneses por parte de mãe, conta), Ana não tem dúvidas sobre sua identidade e garante que sua luta antirracista é para todos.

Eu me identifico como uma brasileira amarela, com ancestralidade japonesa, negra e indígena. Pessoas amarelas, ainda hoje, servem como ferramenta de opressão contra pessoas negras. Se identificar como amarela é reconhecer certos privilégios e se dispor a abrir mão deles em prol da luta antirracista. Acredito que minha maior responsabilidade nessa tentativa de levar o debate racial adiante, é mostrar para grupos negros e indígenas que nós, amarelos, estamos ao lado deles. Queremos e precisamos ser aliados na luta. Só seremos livres se todos forem livres", garante.

Eita, que essa moça não deixa passar nada. Tanto que, além da questão racial, a artista usa suas redes sociais como aliadas para tratar outras questões, como feminismo e sexualidade. Por estar em evidência, natural que surja interesse do público por sua vida pessoal. Principalmente, após ter revelado ser bissexual. Tranquila, Ana afirma saber lidar com a curiosidade alheia e não faz disso um bicho de sete cabeças.

Eu costumo selecionar muito bem o que eu divulgo da minha vida. Tenho plena consciência que o que as pessoas acompanham não é 100% do que eu sou. Eu construo diariamente e com muito cuidado o que eu vou falar e mostrar na internet. As pessoas ficam curiosas, mas não me importo, porque eu seleciono o que quero e não quero compartilhar. Fico mais tranquila tendo minha privacidade."