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Mauricio Stycer

Criticada, autora explica por que Padilha vai dirigir série sobre Marielle

Antonia Pellegrino - Reprodução Facebook
Antonia Pellegrino Imagem: Reprodução Facebook

Colunista do UOL

08/03/2020 07h01

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O anúncio de que a Globoplay vai produzir uma série de ficção sobre a vida e o assassinato de Marielle Franco, criada por Antonia Pellegrino e dirigida por José Padilha, provocou perplexidade e revolta em alguns ambientes culturais.

Marielle Franco - Mário Vasconcellos/CMRJ - Mário Vasconcellos/CMRJ
A vereadora Marielle Franco, assassinado em março de 2018, vai ser tema de uma série da Globoplay
Imagem: Mário Vasconcellos/CMRJ
Marielle era vereadora pelo PSOL, um partido de esquerda, e pautou sua atuação por uma postura muito crítica em relação às posições da direita. Negra e feminista, sempre militou por políticas de inclusão racial e social.

Estes breves dados sobre o seu perfil ajudam a entender duas críticas que estão reverberando desde que o projeto foi anunciado nesta sexta-feira (06).

A primeira diz respeito ao posicionamento político de Padilha. Ele sempre foi visto pela esquerda como uma pessoa de direita. Esta perspectiva se intensificou com a realização para a Netflix da série "O Mecanismo" (2018), que glorifica a operação Lava Jato e o então juiz Sérgio Moro.

A segunda crítica deve-se ao fato de os três principais envolvidos na série, a criadora do projeto, Antonia Pellegrino, o diretor Padilha e o autor que vai comandar a sala de roteiristas, George Moura, serem brancos.

Conversei com Antonia Pellegrino no sábado (07) sobre estas críticas. Primeiramente, ela registrou que a família de Marielle bem como Mônica Benício, a viúva da vereadora assassinada, apoiam o projeto.

Em seguida, Antonia lembrou que, em 1º de abril de 2018, escreveu na Folha um artigo classificando "O Mecanismo" como "um panfleto fascista". "Não mudei de opinião", diz ela.

O cineasta José Padilha - Netflix / Bruna Prado - Netflix / Bruna Prado
O cineasta José Padilha, diretor de "O Mecanismo", vai dirigir a série sobre Marielle Franco
Imagem: Netflix / Bruna Prado
Mas Padilha se arrependeu do tratamento que deu a Moro na série. Em 16 de abril de 2019 publicou na Folha um artigo no qual afirma que o pacote contra o crime apresentado pelo ministro da Justiça do governo Bolsonaro beneficiava as milícias.

Escreveu Padilha: "Ora, o leitor sabe que sempre apoiei a operação Lava Jato e que chamei Sergio Moro de 'samurai ronin', numa alusão à independência política que, acreditava eu, balizava a sua conduta. Pois bem, quero reconhecer o erro que cometi."

Esta ruptura de Padilha com Moro é lembrada por Antonia como um fato importante. "Sou progressista e não-punitivista. Ele se arrependeu. As pessoas erram. E não acho que seja um erro suficiente para a gente cancelar uma pessoa".

A criadora do projeto de série sobre Marielle Franco lembra, ainda, que Padilha já fez um filme sobre o poder das milícias e suas ramificações políticas ("Tropa de Elite 2") e, em consequência, sofreu uma tentativa de sequestro e se mudou com a família para o exterior.

"A morte de Marielle envolve milícias", lembra Antonia, que é casada com o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que tem conhecida atuação política de combate a estes grupos criminosos. "Este não é um projeto de série que você pode dar para qualquer pessoa. Falei com alguns produtores que não quiseram fazer", diz.

"Existem riscos para quem está envolvido na realização deste projeto que as pessoas às vezes não conseguem dimensionar. Até porque elas não têm a obrigação de conhecer este tipo de universo por onde a morte da Marielle transita", diz Antonia. "Padilha, por não morar mais no Brasil, tem mais segurança para fazer."

Antonia ambiciona que a série sobre Marielle alcance "a maior escala possível". O envolvimento da Globo é uma alavanca importante. Ainda que seja destinado ao serviço de streaming, há boas chances de chegar à TV aberta. Ela também espera encontrar um parceiro internacional. "E quem é capaz de fazer isso no Brasil? Só o Padilha e o Rodrigo Teixeira", diz.

Teixeira é dono da produtora RT Features, responsável por muitos projetos cinematográficos bem-sucedidos com cineastas brasileiros, europeus e americanos. Entre os mais recentes, estão "Me Chame Pelo Seu Nome", "Ad Astra", "Vida Invisível", "O Farol". Teixeira não quis participar do projeto.

"As opções eram essas. Fui eu que trouxe o Padilha para o projeto", diz Antonia. "O projeto vai mostrar a sua cara ao longo da realização. As pessoas não têm todos os elementos para entender a minha escolha", diz.

Antonia diz que conversou com muita gente no mercado antes de se decidir por Padilha. Diz que pensou em ter um diretor negro no projeto, mas dá a entender que não achou alguém com as características que procurava. "Se tivesse um Spike Lee, uma Ava DuVernay...", suspira, citando dois cineastas americanos bem conhecidos. "Mas asseguro que vai ter muitos profissionais negros envolvidos na série".

"Padilha fez 'Tropa', 'Narcos', 'Robocop'. A gente não quer fazer uma coisa ingênua. A gente tem essa série como uma missão", afirma.

Antonia Pellegrino esclarece "frase infeliz" e fala sobre racismo estrutural

Em comentário publicado neste domingo em seu perfil no Instagram, Antonia Pellegrino classificou como uma "frase infeliz" uma observação feita durante a entrevista que deu para mim. E procurou esclarecer melhor o que quis dizer. Reproduzo abaixo a sua mensagem:

"Sobre a frase infeliz: 'No Brasil não tem um Spike Lee'. O fato de não haver um Spike Lee no Brasil fala sobre o nosso racismo estrutural, e não sobre supremacia branca. Não tem uma Ava DuVernay no Brasil não porque não existam diretoras negras talentosas. Mas porque existe sim racismo estrutural. Abrir espaço para diretores, roteiristas, profissionais negros é um compromisso público que fizemos. E o julgamento de estarmos comprometidos em reproduzir racismo é muito precipitado."