Tratamos Bolsonaro com respeito, mas também criticamos, diz chefão da CNN
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Cem dias depois da estreia, a CNN Brasil considera uma "grande vitória" o que realizou até aqui. Para além da complexidade de colocar um canal de notícias 24 horas no ar, a franquia brasileira da CNN americana estreou sob o impacto da pandemia de coronavírus e de crise política no país.
"A estreia do canal, em 15 de março, que vínhamos preparando há um ano, já seria bem complexa pelo conjunto de ações operacionais, de programação e de conteúdo que a gente tinha que executar", diz Douglas Tavolaro em entrevista ao UOL. "Imagina fazer tudo isso junto a uma pandemia, com todas as dificuldades de cobertura que essa situação tem, num cenário político turbulento".
Segundo o principal executivo do canal, cerca de 100 profissionais das redações de São Paulo, Rio e Brasília contraíram a covid-19. "Ter colocado o canal de pé, há 100 dias, neste contexto todo é uma grande vitória do time que está aqui, com todos os ajustes que precisam ser feitos, o que é natural num projeto com tão pouco tempo de vida", diz Tavolaro. "Na nossa análise, o balanço é muito positivo".
Tavolaro classificou como "a maior conquista" do canal um dado sobre o perfil do público recebido pelo Kantar Ibope. Em junho (até o dia 25), 80% dos espectadores da CNN Brasil foram das classes A e B. Sua principal concorrente, a GloboNews, registrou 75% de espectadores com este perfil, enquanto BandNews teve 61% e RecordNews, 55%.
Na entrevista abaixo, Tavolaro responde sobre os diferentes problemas que o canal enfrentou nestes 100 primeiros dias. Classifica como "ajustes naturais" as muitas trocas de apresentadores em programas. Chama Gabriela Prioli de "prata da casa" e minimiza o episódio que a levou a sair do quadro O Grande Debate.
O executivo diz respeitar o pedido de demissão de Reinaldo Gottino após dois meses no ar. "Não considero ter dado errado. Recebeu uma proposta financeira muito melhor do que tinha na CNN". E não mostra preocupação com os baixos números de audiência dos primeiros episódios do programa Séries Originais, apresentado por Evaristo Costa. Diz que a CNN Brasil considera importante investir na produção de documentários.
Tavolaro defende William Waack das críticas feitas pela jornalista Alexandra Loras no ar, durante um programa do canal. Ela lamentou o fato de a CNN escalar para debater racismo um jornalista que foi demitido da Globo por um episódio de ofensa racial. "Ele cometeu um erro, se desculpou publicamente por esse erro e foi punido por isso. Só que não merece uma punição eterna", diz.
O executivo considera que, com seus debates, a CNN Brasil influenciou a concorrência. "Não existia opiniões antagônicas no mesmo canal", diz. "Um canal ia sempre para a mesma linha de opinião, às vezes com três, quatro entrevistados, todos falando a mesma coisa", critica.
Tavolaro rejeita a visão de que a CNN Brasil seja um canal alinhado com o governo Bolsonaro. Diz que basta assistir ao canal para constar isso. "Tem dias que a gente é elogiado pela bolha da direita e espancado pela bolha da esquerda. Aí no dia seguinte é o contrário".
E, por fim, o executivo confirma que recebeu quatro propostas de parcerias com canais de TV aberta, mas ainda não fechou nada. Veja abaixo:
Nestes primeiros 100 dias já houve muitas mudanças no time de apresentadores e na grade de programação. A que se deve essa movimentação?
Douglas Tavolaro: As mudanças são naturais num canal que está nascendo. São ajustes que a gente faz, ajustes de grade, de programação, de conteúdo, feitos a partir de dados de pesquisas internas. É um caminho natural para um projeto que nasceu há pouco tempo. Os vários talentos vão se conectando, você vai vendo o potencial de cada um e você vai encaixando na grade conforme o desempenho de cada um deles.
Que pesquisas internas são essas?
A gente tem um departamento de pesquisas que analisa dados de audiência e perfil de público fornecidos pelo Kantar Ibope. Falando sobre isso, uma coisa muito bacana, que considero a maior conquista do canal: a CNN é o canal de notícias com o maior público AB do Brasil: 80% do público em junho. Mais que a GloboNews (75%). A gente não quer audiência por audiência. Na TV paga, a gente quer audiência qualificada, audiência do formador de opinião.
Essas mudanças ocorridas nestes primeiros 100 dias podem passar a impressão de improviso, de que a CNN está trocando o pneu com o carro andando? Não testou o produto antes?
Se você pensar, não foram tantas. As mudanças maiores aconteceram depois da saída do Gottino. Ele ocupava dois horários, e por isso tivemos que fazer um rearranjo. Tivemos também a história do Waack, que foi obrigado a apresentar o programa da casa dele. Então, tivemos que colocar outro para apoiá-lo. Quando você mexe numa posição, tem que repor na outra, o que pode ter dado essa impressão de muitas mudanças. Não são tantas, não. O Rafael Colombo chegou, o Caio Junqueira foi promovido (era comentarista, virou apresentador).
Um dos episódios mais rumorosos nestes 100 dias foi a saída da Gabriela Prioli do Grande Debate. Qual é o saldo que você faz deste episódio?
A Gabriela é uma prata da casa, um supertalento. Ela ganhou projeção nacional com a CNN e é um talento de comunicação, de oratória. O que aconteceu foi um episódio pontual. Ela continuou no canal e está agora num projeto que a gente vê muito potencial, o CNN Tonight. Estamos muito animados. Ela, o Leandro Karnal e a Mari Palma vão estrear na primeira quinzena de julho, de segunda a quinta.
A saída de Reinaldo Gottino após pouco mais de dois meses no ar foi um choque. O que deu errado nesta que foi uma das principais contratações da CNN Brasil?
Não considero ter dado errado. Foi uma decisão de carreira dele, que eu respeito. Quis tomar um outro rumo profissional. Segundo ele, uma proposta financeira muito melhor do que ele tinha na CNN. E ele tem que seguir o que é melhor para ele, para a vida dele. A gente respeita muito ele; ele foi muito importante para o lançamento. É uma pessoa ótima, caráter ótimo, uma pessoa que admiro muito. E tomara que ele seja feliz na Record.
Outra contratação importante, a de Evaristo Costa, foi prejudicada pela pandemia. O programa dele, talvez por ser muito frio, está derrubando a audiência do canal. Como você vê esse problema?
Está dentro do esperado na consolidação deste público qualificado que eu falei. É uma parte da CNN que investe num jornalismo que a gente chama de "soft news". E também foi prejudicado, no início, pela pandemia porque a gente tinha a previsão de estreá-lo no segundo domingo e quando começaram os plantões de pandemia tivemos que segurar. Foi ao ar há três semanas e está indo bem. Na grade da CNN americana tem esse mesmo programa. Vamos exibir programas feitos por eles, por grandes produtoras internacionais e também pelas nossas equipes de documentaristas. É um mercado importante de atuação para gente a produção de documentários.
William Waack, outro nome importante do canal, foi alvo de uma crítica contundente da jornalista Alexandra Loras. Neste momento em que a discussão sobre racismo e representação racial é tão importante, a presença de Waack causa algum constrangimento à CNN?
Ele cometeu um erro (na Globo), ele se desculpou publicamente por esse erro e foi punido por isso. Ficou um tempo fora do mercado. Só que não merece uma punição eterna. Ele não merece outra oportunidade profissional depois de 40 anos de carreira? A CNN entendeu que ele merece.
Sobre os debates na CNN, já escrevi que, na minha opinião, não funciona bem o modelo que vocês vêm adotando, dando espaço a figuras com posições extremadas. Já houve debates com negacionistas, gente que diz que o conoravírus é uma gripezinha. Como você vê as críticas a este formato de debates, que acrescentam pouco ao esclarecimento?
Considero a implantação desse modelo de debates, que tem muito na TV americana, como uma marca que a CNN trouxe para o Brasil. Debates com pessoas de posições antagônicas, dando espaço para a diversidade de opiniões. Foi a implantação de um modelo novo no telejornalismo brasileiro. Acho que isso contribui para o debate público, para a pessoa de casa formar opinião.
O que a gente percebia nos canais de notícias? Eles até mudaram um pouco agora. Antes, a gente percebia, e as pesquisas mostravam, que não existia opiniões antagônicas no mesmo canal. Um canal ia sempre para a mesma linha de opinião, às vezes com três, quatro entrevistados, todos falando a mesma coisa. E outro canal, numa outra linha ideológica, falando a mesma coisa. O que a gente está tentando fazer é colocar opiniões antagônicas, visões ideológicas diferentes, debatendo os mesmos assuntos para a pessoa de casa formar opinião. Não levar as pessoas a uma opinião pronta, definida. É uma das conquistas que considero bem importantes do canal.
Mesmo tendo 80% do público nas classes AB?
Às vezes, pode ser que tenha um entrevistado ou outro mais polêmico, que pode ter dado essa impressão. Mas, em linhas gerais, você tem debatedores de linha, muito qualificados. Acho que esses debates contribuem com o país, com a formação da opinião das pessoas.
Após 100 dias, você acha que a CNN conseguiu atenuar ou afastar esta nuvem que sobrevoa o canal, de que ele seria a favor do governo Bolsonaro?
Não tenho a menor dúvida. É só assistir a CNN. A gente conseguiu dar um tratamento ao presidente Bolsonaro com todo respeito, assim como a gente trata todos os entrevistados da CNN. Já falamos com muitos integrantes do governo, também de forma respeitosa. Mas quando há pontos para serem criticados, a gente faz isso da mesma forma. Com respeito. A gente acredita numa emissora que ofereça ao público contrapontos. Que não tenha uma guerra declarada contra o governo nem que seja chapa-branca. De verdade. A gente acredita num jornalismo de equilíbrio. É só assistir. É muito difícil manter esse equilíbrio. Tem dias que a gente é elogiado pela bolha da direita e espancado pela bolha da esquerda. Aí no dia seguinte, é o contrário.
O que você pode contar sobre possíveis associações da CNN Brasil com canais da TV aberta?
A gente tem propostas de migração da TV paga para a TV aberta sendo analisadas. Quatro propostas que recebemos. Mas não posso falar.
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