Crítica da esquerda, Sheherazade atribui saída do SBT a fã de Bolsonaro
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Os nove anos de Rachel Sheherazade no "SBT Brasil" são repletos de episódios que ajudam a entender melhor o jornalismo da emissora de Silvio Santos e as suas relações com a política no Brasil.
A jornalista foi contratada em março de 2011, após a enorme repercussão de um comentário que fez em uma afiliada do SBT na Paraíba, onde então trabalhava, dizendo que "o Carnaval virou negócio, e dos ricos. Que os digam os camarotes VIPs".
Silvio Santos explicou em seu programa, em abril: "Eu vi uma menina da Paraíba falando sobre o Carnaval e logo que eu vi eu telefonei pra Paraíba e ela vai estrear aqui no SBT. Vai! É uma paraibana. Como é o nome dela? Não lembro mais. Mas eu vi na internet. Ela vai estrear no 'SBT Brasil'. Quem quer aviãozinho?"
Em fevereiro de 2014, já bem à vontade na bancada do principal telejornal da emissora, Sheherazade conquistou a simpatia de grupos de direita e extrema direita ao justificar a ação de um grupo que agrediu um suposto assaltante e o prendeu nu, em um poste, no Rio.
Referindo-se ao homem como "o marginalzinho amarrado ao poste" e aos que o prenderam como "vingadores", a apresentadora disse: "Num país que sofre de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível. O Estado é omisso, a polícia desmoralizada, a Justiça é falha? O que resta ao cidadão de bem, que ainda por cima foi desarmado? Se defender, é claro".
E acrescentou: "O contra-ataque aos bandidos é o que chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite". E concluiu: "Aos defensores dos direitos humanos, que se apiedaram do marginalzinho preso ao poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido".
Dois dias depois, no próprio telejornal, ela disse: "Não defendi a atitude dos justiceiros". E acrescentou: Sou uma pessoa do bem. Estou do lado do bem, como diria Renato Russo, com a luz e os anjos. Jamais defenderia a violência".
E uma semana depois, em artigo publicado na "Folha", a jornalista voltou a reproduzir um discurso que é música aos ouvidos da direita, chamando o Estatuto da Criança e do Adolescente de "o Estatuto da Impunidade".
"O ECA está sempre a serviço do menor infrator, que também encontra guarida nas asas dos direitos humanos e suas legiões de ONGs piedosas. No Brasil às avessas, o bandido é sempre vítima da sociedade. E nós não passamos de cruéis algozes desses infelizes".
Em abril daquele ano, o SBT resolveu proibir os comentários em seus telejornais: "Em razão do atual cenário criado recentemente em torno de nossa apresentadora Rachel Sheherazade, o SBT decidiu que os comentários em seus telejornais serão feitos unicamente pelo jornalismo da emissora em forma de editorial", decretou a emissora.
Em ano eleitoral, a medida foi vista como uma forma de evitar melindres com o governo Dilma. Não foi a primeira vez que Silvio Santos demonstrou pouco interesse por crítica política e subserviência a um governo. De Médici a Bolsonaro, Silvio fez afagos a todos os presidentes desde 1970.
A este respeito, Silvio foi confrontado por Sheherazade no Troféu Imprensa, em abril de 2017. Era governo Temer, então. Ela lamentou que não podia mais opinar no "SBT Brasil". "Quando você me chamou foi para dar minha opinião".
O dono da emissora respondeu de primeira: "Não, eu te chamei para você continuar com a sua beleza, com a sua voz. Foi para ler as notícias no teleprompter, não dar a sua opinião. Você foi contratada para ler notícias, não foi contratada para dar a sua opinião. Se você quiser fazer política, compra uma estação de televisão e vai fazer por sua conta". Ou seja, só Silvio pode fazer política em sua emissora.
"Defendi o cidadão Jair Bolsonaro"
É preciso voltar a 2014 para falar de um episódio que marcou muito Sheherazade. Sempre muito crítica ao governo Dilma e ao PT, a jornalista se colocou ao lado do então deputado Jair Bolsonaro no caso em que ele disse à deputada Maria do Rosário (PT-RS) que ela não merecia ser estuprada por ser "muito feia".
Em 2018, em entrevista a Mônica Bergamo, na Folha, ela explicou: "O que efetivamente defendi foi o cidadão Jair Bolsonaro, e numa ocasião bem específica: quando acusado de estuprador pela deputada Maria do Rosário. Falei sobre o entrevero entre os dois, e de fato não encontrei razão para aquelas acusações de estupro, o que acredito ter sido um linchamento político movido por exagero e sexismo".
Em junho de 2019, cumprindo ordem judicial, Bolsonaro pediu desculpas à deputada Maria do Rosário.
Com este perfil de críticas à esquerda e a defesa a Bolsonaro, muita gente acreditou que Sheherazade tenha apoiado o então deputado na eleição presidencial de 2018. Mas, na realidade, ela nunca declarou publicamente qualquer apoio ao então candidato do PSL.
Dizendo-se uma "liberal conservadora", Sheherazade fez críticas a Bolsonaro ainda em 2018 e, após ele assumir a presidência, em diferentes momentos ao longo de 2019. Em fevereiro de 2020, a jornalista disse que sofreu ameaças de morte por causa de críticas ao presidente:
"A violência que minhas colegas sofrem eu sofri e tenho sofrido também. Campanhas difamatórias, ataques em massa, ameaças de morte, ameaças contra meus filhos têm sido uma rotina desde que ousei criticar o então candidato Jair Bolsonaro, ainda no episódio da greve dos caminhoneiros em 2018".
Pedido público de demissão
O caldo entornou no final de junho de 2019, quando o empresário Luciano Hang, num português claudicante, pediu publicamente a demissão de Sheherazade do SBT. Comentando uma notícia sobre demissões no departamento de jornalismo da emissora, um dos mais entusiasmados apoiadores do presidente Bolsonaro escreveu:
"O jornalismo da grande mídia está todo contaminado com ideologias comunistas que destroem o nosso Brasil. Parabéns Silvio Santos. Somos fruto do que plantamos no passado. O povo quer mudanças. Ainda falta mais gente para você demetir (sic). Raquel (sic) é uma delas".
Nenhum dirigente do SBT veio a público comentar a fala de Hang. Para quem observava à distância, passou a impressão que a jornalista não contava mais - se é que algum dia contou - com o apoio da empresa.
Para deixar tudo mais claro, em agosto, menos de dois meses depois de Hang pedir a Silvio para "demetir" Sheherazade, o SBT excluiu a jornalista da apresentação do "SBT Brasil" às sextas-feiras. Sem justificativa, a medida foi entendida como uma punição.
Sheherazade ironizou: "Sextou mais cedo pra mim". E contou: "Recebi uma determinação da empresa na semana passada. Também fui pega de surpresa, de que estava afastada às sextas-feiras por tempo indeterminado".
Além de bolsonarista, Hang se tornou nos últimos anos um importante anunciante do SBT, patrocinando programas e apresentadores. Em retribuição, virou figurinha fácil na programação da emissora.
Entre 8 de dezembro de 2018 e agosto de 2019, Hang participou com destaque no "Programa Raul Gil", "The Noite", "Programa do Ratinho", "Programa da Eliana", "Conexão Repórter" e "Programa Silvio Santos", sempre apresentado como "um dos maiores empresários do país." Nenhum outro empresário teve tamanha exposição no SBT neste período.
Agora na primeira semana de setembro de 2020, Sheherazade foi informada que o SBT não vai renovar o seu contrato, que se encerra em 31 de outubro. Foi então que, em entrevista a Leo Dias, ela atribuiu a razão de sua saída ao episódio ocorrido um ano antes.
Leo Dias perguntou: "Em que momento você percebeu exatamente que o futuro no SBT estava próximo de um fim?" E ela disse: "Tem muitas coisas, mas a declaração do dono da Havan, que se autodeclara como 'véio da Havan'. Ele veio a público pedir a minha cabeça. Ele é um dos maiores patrocinadores do SBT e de outras grandes emissoras também. Então, ali eu já sentia alguma coisa".
A ser verdade que a pressão de Hang contribuiu para a não renovação do seu contrato, Sheherazade sai do episódio como vítima de uma empresa cada vez mais vinculada ao governo Bolsonaro.
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