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Mauricio Stycer

Morte do editor Octavio Tostes reaviva manipulação de debate Collor x Lula

O jornalista Octavio Tostes (1958-2020) - Reprodução / Internet
O jornalista Octavio Tostes (1958-2020) Imagem: Reprodução / Internet

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Refleti muito se deveria escrever este texto porque é horrível lembrar de um colega pelo que ele considera ter feito de pior, ainda que na condição de coadjuvante. Mas a edição do "Jornal Nacional" do debate entre Collor e Lula na antevéspera da eleição de 1989 se tornou algo maior do que um exemplo de mau jornalismo. É um caso que ajuda a contar a história da comunicação no Brasil.

Octavio Tostes, morto neste sábado (31) aos 62 anos, em consequência de uma parada cardíaca, foi quem preparou, na ilha de edição número 10, um resumo do debate que mostrava apenas bons momentos de Collor e maus momentos de Lula. Foi o executor de uma ordem editorial que marcou para sempre a trajetória de todos os envolvidos.

"Isso é o serviço mais sórdido que eu fiz na vida", disse Tostes anos depois em depoimento ao projeto Memória Globo, disponível online. Neste vídeo, ele diz que não se recorda de alguns detalhes "pelo trauma profissional e pessoal que representou pra mim isso."

São muitas as versões sobre as responsabilidades pelo que ocorreu naquele 15 de dezembro de 1989, dois dias antes do segundo turno da primeira eleição presidencial direta desde a de Jânio Quadros, em outubro de 1960. Mas uma coisa é certa: não foi ideia de Octavio Tostes.

A edição do debate exibida no JN difere radicalmente da que foi mostrada no início da tarde do mesmo dia no "Jornal Hoje". O telejornal vespertino apresentou um resumo equilibrado do debate, o que teria sido considerado pela cúpula da emissora um erro já que Collor se saiu melhor do que Lula no encontro eleitoral. Daí a decisão de reeditar o debate para o JN.

Segundo Mario Sergio Conti, no livro "Notícias do Planalto - A Imprensa e Fernando Collor" (Companhia das Letras), a ordem para a reedição foi do dono da empresa, o empresário Roberto Marinho (1904-2003), diretamente para o executivo Alberico de Souza Cruz, passando por cima do diretor de jornalismo, Armando Nogueira. Alberico orientou o editor de política, Ronald Carvalho, que transmitiu a ordem a Tostes.

O Memória Globo traz os depoimentos divergentes de Nogueira, Cruz, Carvalho, Wianey Pinheiro (editor do "Hoje") e Tostes sobre o caso. E observa:

"Mas o episódio provocou um inequívoco dano à imagem da Globo. Por isso, hoje, a emissora adota como norma não editar debates políticos; eles devem ser vistos na íntegra e ao vivo. Concluiu-se que um debate não pode ser tratado como uma partida de futebol, pois, no confronto de ideias, não há elementos objetivos comparáveis àqueles que, num jogo, permitem apontar um vencedor."

Conheci Tostes na PUC (RJ) na primeira metade da década de 1980; eu ainda estudava e ele já dava aulas. Lembro que ele deu apoio ao movimento dos estudantes que procurava renovar a estrutura do departamento de jornalismo da faculdade. Só o revi muitos anos depois, após 1989, e ele parecia trazer no rosto as marcas daquele trauma.

Em todo caso, para alívio dele, em 2011, João Roberto Marinho ensaiou um mea-culpa ao falar sobre o debate em um documentário sobre o pai: "Nós erramos. Erramos com a intenção de acertar".

Nunca fomos amigos, mas sempre ouvi boas palavras sobre ele. Um sujeito gentil, educado e bom profissional. Trabalhou em "O Globo", Rede Globo, TV Gazeta, AOL Brasil, Rede Amazônica e desde 2005 estava na Record.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Octavio Tostes estava na Record desde 2005 e não 2011, como informado na versão original neste texto.