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Mauricio Stycer

REPORTAGEM

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É obrigação da CNN corrigir fake news de comentaristas, diz CEO do canal

Douglas Tavolaro, CEO da CNN Brasil, que está completando um ano no ar neste dia 15 de março - Kelly Queiroz / Divulgação
Douglas Tavolaro, CEO da CNN Brasil, que está completando um ano no ar neste dia 15 de março Imagem: Kelly Queiroz / Divulgação

Colunista do UOL

15/03/2021 06h01

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Pandemia declarada. Manifestações em várias cidades do país. Crise política. Muita tensão. Esse era o clima do país no domingo, 15 de março de 2020, dia em que a CNN Brasil foi ao ar pela primeira vez. Com tanta notícia quente para mostrar, o canal privilegiou o material especial que tinha preparado e a estreia acabou sendo frustrante.

Em pouco tempo, porém, começou a entrar nos eixos e hoje, exatamente um ano depois, já é uma marca estabelecida no mercado. Nesta entrevista exclusiva ao UOL, Douglas Tavolaro, CEO da CNN Brasil, reconhece que a consolidação do canal deve muito à pandemia. "Apesar de ser uma tragédia, a pandemia beneficiou a CNN porque as pessoas foram buscar informação".

Ele defende o modelo de comentaristas com posições antagônicas e extremadas que pontifica em vários horários da programação, mas diz: "Concordo que um colunista ou um convidado não pode entrar no ar e falar fake news ou falar coisas que não são cientificamente comprovadas. É preciso corrigir na hora. É nossa obrigação."

Sem citar nomes, Tavolaro critica a falta de pluralidade de rivais: "Não dá para você ter três, quatro comentaristas com a mesma opinião". Veja abaixo, os principais trechos da entrevista:

Qual é o balanço deste primeiro ano de vida da CNN Brasil?
Douglas Tavolaro: É muito positivo. Um ano é muito pouco tempo para um projeto de mídia, de televisão, para tantas conquistas num cenário desafiador, de pandemia, de crise econômica e crise política. Nunca se teve um cenário tão turbulento. Nesse período, a CNN se consolidou como uma opção de informação no Brasil. A gente construiu, com todos os problemas e falhas a corrigir, uma linha editorial equilibrada. Consolidamos um projeto multiplataforma, com TV paga, digital, You Tube, redes sociais, rádio e eventos, muito mais abrangente que uma emissora de TV a cabo. O projeto comercial também está consolidado; fechamos janeiro com quase 200 marcas patrocinadoras no canal e com público majoritário, quase 90%, nas classes AB. Montamos um projeto que ajudou a revelar muitos bons nomes para o jornalismo brasileiro e abrimos espaço para talentos consagrados que estavam sem tanto espaço. E tudo isso foi reconhecido pela conquista dos maiores prêmios de mídia de 2020; ganhamos 11 prêmios neste período.

Se você tivesse que escolher um grande momento da CNN neste período, qual seria?
A cobertura do começo da pandemia. A gente planejou o canal por dois anos, em uma direção. Estreamos num domingo à noite (15 de março), três dias depois de a OMS declarar a pandemia de coronavírus. Na segunda (dia 16), o Brasil estava em casa, trancado. As pessoas estavam buscando informação. Fizemos uma cobertura extensa, ao vivo, prestando serviço, ajudando as pessoas a enfrentar a pandemia e, ao mesmo tempo, garantir a segurança dos nossos funcionários. Foi um batismo de fogo.

Se você tivesse que apontar um erro que a CNN cometeu neste período, talvez por inexperiência, qual seria?
Acho que a gente levou um tempo para fazer alguns ajustes operacionais no canal. Falhas de som, áudio, vídeo, que são normais no lançamento de um canal, mas que poderia ter sido melhor. Comprometeu, em alguns momentos, a qualidade do que a gente queria levar para o público.

Gottino - Reprodução / Internet - Reprodução / Internet
Reinaldo Gottino e Daniela Lima formaram dupla no programa "CNN 360"
Imagem: Reprodução / Internet

Olhando em retrospectiva, qual o maior arrependimento? Algo planejado e implementado que deveria ter ido por outro caminho? Alguma contratação?
O (Reinaldo) Gottino eu não me arrependi, não (ele pediu demissão 75 dias após a estreia do canal). Gottino seguiu o caminho que ele quis, pessoal. Sentiu falta da TV aberta, dos programas populares, e colaborou muito com a gente. Fez um trabalho excelente. Não estou lembrando de nada que me arrependa. Não é petulância, tá?

Qual foi o impacto da covid-19 na empresa? Quantos funcionários ficaram doentes?
Como qualquer empresa prestando serviço de utilidade pública numa tragédia jamais vista, a gente teve que fazer adaptações, corrigir o motor com o avião no ar. Fizemos um trabalho grande de cuidados sanitários sem deixar a operação parar. Tivemos mais de 100 casos, num total de 600 colaboradores no Brasil, mas nenhum grave ou fatal. Apesar de ser uma tragédia, a pandemia beneficiou a CNN porque as pessoas foram buscar informação. Segundo as pesquisas, a gente conseguiu antecipar o alcance de público previsto para três, quatro anos em doze meses. Apesar de termos sido atingidos, como todas as empresas, pela crise do mercado publicitário. Não vamos comemorar um ano de CNN, embora a gente tenha inúmeros motivos para comemorar. A gente vai divulgar um manifesto em solidariedade às vítimas da covid-19.

Você já defendeu como uma das marcas da CNN o quadro "O Grande Debate". Na sua visão, ele ajudou a firmar a imagem do canal como pluralista, por dar voz a todos. Mas frequentemente, na minha visão, não contribui para o esclarecimento dos temas porque não há diálogo, só discursos desconectados e, não raro, servem para propagação de fake news. Neste período, você mudou de opinião a respeito?
Continuo acreditando que a CNN precisa ser um espaço de pluralidade de ideias. Não tenho dúvidas de que temos que seguir esse caminho, de ouvir todos os lados, e deixar a formação de opinião para o público em casa. Se um convidado ou participante de quadro fixo dá alguma informação errada, ou fake news, o nosso âncora imediatamente corrige ou esclarece no ar. Agora, abrir espaço para opiniões e ideias antagônicas é uma missão da CNN, uma contribuição para consolidar a democracia no país. Acho que a gente contribui para as pessoas formarem opinião. É melhor do que ser monotemático de opinião, como existem alguns grupos de comunicação.

Alexandre Garcia - Reprodução - Reprodução
Em agosto de 2020, Rafael Colombo rebateu um elogio de Alexandre Garcia à cloroquina
Imagem: Reprodução

A contratação de Alexandre Garcia, que mais de uma vez defendeu o inexistente "tratamento precoce" para covid-19, agregou algo para a CNN?
Alexandre Garcia é um representante do pensamento conservador no Brasil. Uma parcela importante da população acredita nos valores que ele defende. Ele agregou no sentido da busca por pluralidade de opinião do canal. Mas, reforço: o importante é a responsabilidade com a informação correta. E se, em algum momento, alguma informação incorreta é levada ao ar, a gente imediatamente faz a correção, seja de participante fixo, seja de convidado.

Sabe o que me incomoda? Ficando 20 horas no ar, você não consegue só dar notícia; tem que ter análise. Não dá para você ter três, quatro comentaristas com a mesma opinião. Mas concordo que um colunista ou um convidado não pode entrar no ar e falar fake news ou falar coisas que não são cientificamente comprovadas. É preciso corrigir na hora. É nossa obrigação.

A CNN demitiu um comentarista, Leandro Narloch, depois de ele ter feito comentários vistos como homofóbicos.
Ele foi desligado porque houve uma decisão editorial de renovação de comentaristas.

A redação tem liberdade? Ouço relatos de muita pressão.
A gente tem um controle da qualidade da informação. Nosso compromisso é sempre levar informação plural, isenta, com responsabilidade e manter o equilíbrio. Vejo que os jornalistas aqui têm muita liberdade de trabalho. E a maior prova é colocar vozes antagônicas no ar, que talvez muitos veículos de comunicação não tenham coragem de colocar. Temos um conselho editorial, formado pelos principais executivos, que fazem essa gestão editorial no dia-a-dia e eles têm total autonomia para tocar como entendem melhor. Os apresentadores e comentaristas têm total liberdade de dizer o que pensam. Mas a gente tem a responsabilidade de manter o equilíbrio.

Li recentemente que os jornalistas da CNN foram proibidos de comentar sobre programas de outras emissoras nas redes sociais? Sobre BBB?
Eu nunca ouvi falar disso. A Daniela Lima é a prova disso: ela falou de BBB ao vivo no podcast do UOL.

O que houve de concreto a respeito de associações da CNN com canais de TV aberta?
A gente está sempre pensando em crescimento, em buscar públicos em diferentes plataformas. A TV aberta sempre foi uma possibilidade. Tivemos conversas com alguns grupos de comunicação, interessados na marca CNN, e a CNN interessada na plataforma deles, mas nada que evoluiu. A gente continua com as conversas.

E o projeto da CNN Brasil +?
Os estudos para a entrada da CNN numa plataforma de streaming continuam. A ideia é que o Marcio Gomes lidere esse projeto. Mas a gente está esperando o momento certo para esta entrada.

Não vai ser mais no primeiro trimestre, como previsto inicialmente?
Esse ano com certeza. A gente só está aguardando as conversas com os possíveis parceiros para saber o momento certo de lançar. É um modelo baseado em venda de publicidade.

Do ponto de vista financeiro, qual é o balanço deste primeiro ano? Quanto tempo será preciso para o canal ser viável?
Os números foram muito favoráveis. Hoje, nós temos a previsão de antecipação de "break-even" (ponto de equilíbrio entre receitas e custos) e "payback" (receita necessária para pagar o investimento inicial do negócio) em dois anos e meio. Ou seja, break-even já agora e "payback" no final do ano. O segredo está na consolidação do público AB. Apenas 4% do nosso faturamento é dinheiro público. Queria reforçar a importância do Rubens Menin, investidor da empresa, que desde o início acreditou no projeto da CNN Brasil. Eu e meus colegas de profissão somos gratos a ele por essa contribuição feita ao jornalismo brasileiro.

Se eu tivesse ouvido as 30 opiniões de pessoas dizendo que este projeto não ia dar certo, eu não tinha feito o canal. Gente de todas as áreas do mercado dizendo que não ia dar certo. Falo isso com a consciência de que a gente precisa melhorar e avançar muita coisa. Mas mostra a força de você acreditar em uma ideia. Não só eu, mas os seis, sete executivos fundadores, em todas as áreas.