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Jornalismo adere ao YouTube com fim da TV paga, mas encara 'terra sem lei'

YouTube é o novo destino das informações, mas traz desafios para espectadores e grupos de mídia - Reprodução / Internet
YouTube é o novo destino das informações, mas traz desafios para espectadores e grupos de mídia Imagem: Reprodução / Internet

Colunista do UOL

24/07/2023 04h00

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Das duas, uma: você já assiste a programas jornalísticos no YouTube, ou passará a fazê-lo em breve.

A plataforma de vídeos do Google se consolidou como a "grande televisão aberta" da era da internet, e o fim da velha TV paga está fazendo o público migrar para essa nova telinha na hora de buscar informações. Ao mesmo tempo, produtores de conteúdo estão tentando fazer esse salto - em uma disputa voraz pela atenção dos espectadores e por dinheiro.

De acordo com dados de maio da Kantar Ibope, o vídeo online já corresponde a 23,8% de toda a audiência geral no Brasil - em todos os dispositivos. Nesse segmento, o YouTube é o líder disparado com 14,1%, à frente de Netflix (4,2%) e TikTok (3,1%). Já o Google, em levantamento de 2020, afirmava que 40 milhões de brasileiros assistiam aos conteúdos da plataforma pela televisão.

Enquanto isso, a velha TV paga - tradicional lar dos canais de notícias - tem apenas 10,2% do "share" de audiência.

"Processo irreversível"

Entre os já consolidados que migraram para a plataforma de distribuição estão Jovem Pan News (7,46 milhões de inscritos), Band Jornalismo (4,74 milhões), SBT News (5,12 milhões) e o próprio UOL (3,5 milhões), entre diversos outros. Juntos, eles competem contra novatos na área - incluindo iniciativas bem-estruturadas.

"O universo digital tem crescido muito e a CNN entende que isso é um processo irreversível", revela Virgilio Abranches, vice-presidente de Conteúdo e Operações da CNN Brasil. "Representa o futuro do consumo de conteúdo e isso tem prioridade absoluta para nossa presença digital".

Apesar da marca reconhecida mundialmente - licenciada da Warner Bros. Discovery - o canal de notícias 24 horas se alinha entre os novatos: foi lançado em março de 2020. Desde o primeiro dia, revela o executivo, a emissora transmite o seu sinal ao vivo gratuitamente no YouTube, além de disponibilizar cortes com reportagens e comentários. Em um pouco mais de três anos, já soma 4,12 milhões de inscritos.

Outra iniciativa recém-lançada vem dos Estúdios Flow. Responsável pelo bem-sucedido podcast de mesmo nome, a empresa lançou o Flow News, que conta com jornalistas e apresentadores renomados - como Carlos Tramontina e Glória Vanique.

De acordo com o CEO Andre Gaigher, a iniciativa surgiu por conta da polarização nas redes.

"Começou a existir um certo esquecimento do próprio jornalismo raiz [...], com opiniões que vinham de pessoas aleatórias ou com força, eventualmente de não jornalistas", explica o executivo. "A gente achou que o papel do Flow é o papel do diálogo, de tentar encontrar o meio do caminho, aquele caminho produtivo".

Faroeste do telejornalismo

A preocupação não é sem fundamento. Concebido como um veículo para conteúdos gerados pelos usuários, o YouTube é aberto para qualquer um que queira distribuir os seus vídeos. Isso, somado às características da própria internet, cria um cenário de terra quase sem lei.

Há, por parte de alguns canais, um jogo desleal pela atenção - inclusive com notícias falsas e chamadas que não correspondem à realidade. Junto do algoritmo da plataforma, isso cria um ciclo vicioso, no qual é sugerido um vídeo de fake news ou com posições polêmicas após o outro.

"Vou colocar como uma limitação editorial que nós temos, que hoje em dia é uma limitação, que é não mentir. [...] Com alguma frequência conteúdos mentirosos viralizam com muito mais facilidade", corrobora Abranches, da CNN. Nesse cenário, o crescimento vira um desafio para quem produz conteúdo sério e responsável, explica.

"A diferença de um canal de notícias é falar a verdade. É sinal dos tempos, né? Não deveria ser. A gente se diferencia pela credibilidade".

A verdade, dessa forma, cria desafios. Mesmo tendo sido lançado com nomes de peso, o canal Flow News conta até o fechamento deste texto com 51 mil inscritos - e apenas três de seus vídeos passaram da barreira das 10 mil visualizações. Entre as lives, 19 programas ao vivo ultrapassaram a marca.

Andre Gaigher, no entanto, diz que "[está] acima do que a gente imaginava".

"A gente não faz clickbait [manchetes chamativas, que muitas vezes não correspondem com a realidade], a gente não trabalha com polêmica. A gente sabe que seria um caminho muito mais fácil começar por aí, pela polêmica, pelo 'Big Brother', pela thumb [imagem de destaque do vídeo] chamativa. Mas seria a maneira ruim, errada, de construir uma audiência".

Tramontina - divulgação/Estúdios Flow - divulgação/Estúdios Flow
Carlos Tramontina, nome tradicional do jornalismo da Globo em SP, migrou para o Flow News: busca pela credibilidade
Imagem: divulgação/Estúdios Flow

"A audiência em si vai chegar nos momentos mais turbulentos", aposta o CEO dos Estúdios Flow - que revela que o Flow News ainda está aprendendo o formato e que há ainda muito o que evoluir, inclusive na estrutura. "O estúdio ainda é temporário".

Como ganhar dinheiro?

O que ainda não acompanhou essa mudança de rota é o dinheiro. Ainda é um desafio monetizar conteúdo em vídeo na internet - e o jornalismo impõe dificuldades ainda maiores.

"A monetização depende muito da parceria com cada plataforma", tangencia Virgilio Abranches, da CNN. "Existem modelos comerciais de negociação que a gente tem com o YouTube, em que é possível que eles vendam [anúncios], que a gente venda, ou o modelo clássico do YouTube [por meio de leilão em tempo real]".

Nenhum canal abriu o quanto ganha com o programa de publicidade do YouTube. Nos EUA, de acordo com a Marketing Hub, um canal faz em média 1,8 centavos de dólar por visualização, ou R$ 0,087 pela cotação atual.

Questionado se os intervalos comerciais na TV paga já são vendidos considerando a audiência na internet, engordando essa receita, o executivo afirmou que não.

O Flow vê caminhos adicionais. "É importante existir um ecossistema que seja sustentável", explica Andre Gaigher. Para ele, os profissionais do canal podem aproveitar a audiência e engajamento que conseguem por meio do estúdio para levantar outros projetos, fortalecendo a sua marca pessoal. "Todos que se juntam ao Flow têm as suas liberdades [para fazer publicidade e conteúdos à parte] mantidas.

O CEO também visualiza a criação de produtos mais próximos entre o jornalista e o seu público, como newsletters, workshops e a criação de comunidades. O problema, nesse sentido, é que a estratégia pode funcionar para os pequenos e independentes, mas não sustenta sozinha uma grande redação.

Por isso, essa é a última peça que falta: como fazer o dinheiro das assinaturas e da publicidade que estão deixando a TV paga também migrarem para o jornalismo no YouTube? Quem encontrar a resposta certamente será o grande vencedor nessa época de transição na qual vivemos.

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