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Futebol de graça no YouTube empolga, mas coloca futuro do esporte em risco

O seu futebol sagrado está em xeque. Pior: é provável que você só perceba isso quando for bem tarde, enganado por uma oferta abundante de partidas transmitidas de graça, no YouTube. Sim, canais como CazéTV, Goat e outros podem deixar de ser uma salvação para se tornarem o fim do esporte bretão.

Quem imaginaria, há alguns anos, que poderíamos ver uma Copa do Mundo ao vivo pelo YouTube? De 2022 para cá vivemos uma verdadeira revolução nesse sentido, com nada menos que três mundiais de futebol (o masculino e o feminino de seleções, além do de clubes) exibidos de graça na plataforma de vídeos do Google.

Essa é apenas a ponta do iceberg. Por baixo da linha do oceano, o que existe é uma enorme crise no modelo tradicional de mídia. Grupos como Globo, Disney e Warner Bros. Discovery estão vendo a TV paga ruir, minguando as receitas de canais esportivos como ESPN e Sportv. Enquanto isso, o streaming é mais desafiador para gerar dinheiro. Mas esse é um papo mais amplo, para outra hora.

Preços na lua, audiência em queda

A questão é que, nesse mesmo período, o custo dos direitos esportivos explodiu por um conjunto de fatores. Não há um número consolidado em termos globais, mas o banco norte-americano JPMorgan fez essa conta para o mercado dos Estados Unidos. Por lá, as principais ligas nacionais custam - somadas - US$ 26 bilhões ao ano (quase R$ 130 bilhões).

No caso das grandes redes e programadores de televisão, o banco prevê um aumento anual de 5% nos próximos cinco anos. Isso em um país com inflação menor que a nossa, e em um cenário de queda de receitas. Nem o Brasil fica de fora dessa movimentação, tendo visto o surgimento das SAFs (sociedades anônimas de futebol, uma nova versão dos tão falados clubes-empresa) e até com uma disputa entre duas ligas nos bastidores.

Resultado? Com menos dinheiro no bolso, os tradicionais grupos de mídia abriram mão justamente de uma parte desses direitos.

A FIFA, por exemplo, ficou com pacotes de Copas do Mundo na mão, sem ninguém para vender. No caso do torneio de seleções femininas foi ainda pior: era o conjunto mais valioso, aquele que dava direito a todas as partidas ao vivo. A Globo pegou o menos abrangente, com cerca de metade do torneio.

A federação de futebol acabou fechando um acordo com a LiveMode, uma gerenciadora de direitos de exibição fundada pelos antigos donos do Esporte Interativo, que os repassou para a CazéTV, canal ancorado na imagem do streamer Casimiro Miguel.

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Acontece que o YouTube ainda é um nicho quando comparado com a tradição da televisão linear e aberta. A própria Copa serve como exemplo: Brasil x Coreia, pelo torneio masculino de 2022, registrou 53 pontos de audiência na TV Globo. O número é do Kantar Ibope, pelo Painel Nacional de Televisão (PNT), índice que reúne os dados das 15 praças onde os espectadores são medidas em tempo real. De acordo com o próprio grupo brasileiro, cerca de 70 milhões de pessoas assistiram à partida.

O YouTube chegou a 5,2 milhões de espectadores com o mesmo jogo. Foi, na oportunidade, um recorde para a plataforma do Google, mas com números ainda irrisórios para a mídia tradicional.

Muita gente - com razão - vai alegar que o comparativo não é factível. Afinal, a transmissão da Globo tem um delay (atraso) menor, tradição, acessibilidade e, na época, a presença do Galvão Bueno. Mas será que os donos dos direitos esportivos estão dispostos a abrir mão justamente disso?

Fazendo as contas

A internet como um todo ainda tem que se provar como geradora de receita financeira. Mesmo streamings por assinatura precisam fazer as contas e entender melhor o que ganham (e, principalmente, o que perdem) ao entrar no mundo dos direitos esportivos.

Para quem se arrisca no YouTube, a situação é ainda mais crítica. Afinal, quando se pula de um teto de 70 milhões para um de 5 milhões, os anunciantes claramente vão pagar menos.

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Por isso, nos experimentos feitos até aqui, o licenciamento desses campeonatos tem envolvido elaboradas contas matemáticas - que compreendem grandes descontos ou (quando se mantém o preço cheio) outros caminhos para se levantar dinheiro.

Flamengo em ação contra o Al Ahly no Mundial de Clubes: jogo foi exibido no YouTube e na TV Globo
Flamengo em ação contra o Al Ahly no Mundial de Clubes: jogo foi exibido no YouTube e na TV Globo Imagem: Transmissão / TV Globo

Não por menos, a própria LiveMode "sublocou" a última Copa do Mundo de Clubes da FIFA (que tinha Flamengo e Real Madrid entre seus participantes) justamente para o Grupo Globo. Fica a dúvida: valeu a pena para o canal pago Sportv exibir um jogo que estava de graça na internet? Ou compensou para a CazéTV ter uma partida que poderia ser vista na TV aberta, na mesma hora?

Só fazendo a boa e velha matemática (e com acesso a todos os números) para saber.

Seja como for, isso coloca os próprios produtores esportivos em uma situação complicada. Se eles vendem mais barato para uma mídia do que para outra, podem matar a sua galinha dos ovos de ouro. Não só porque haverá uma canibalização, mas também porque os próprios grupos tradicionais vão usar isso para renegociar contratos.

Tem gente se dando bem

Não dá para falar que o cenário é apocalíptico para todo mundo. Aos poucos começam a surgir aqueles que podem se dar bem nessa transição - além do próprio Google, claro.

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Os esportes e categorias de nicho parecem ter a dimensão exata do YouTube. A própria CazéTV exibiu ou ainda exibe partidas dos Jogos da Juventude, Mundial de Ginástica, Grand Prix de Judô e muito mais. O recém-lançado Canal Goat adquiriu o Campeonato Saudita de futebol, para onde foram Neymar e Cristiano Ronaldo, além de se aventurar nos e-sports. O Grande Prêmio exibe a Fórmula E ao vivo, enquanto o próprio UOL garantiu a Liga Nacional de Futsal e a Liga Feminina de Futsal. É muito bom para quem ama esportes.

A dúvida paira mesmo entre os gigantes, aqueles que precisam rentabilizar cada vez mais para continuar expandindo uma estrutura de salários e custos que já é megalomaníaca. Se o YouTube não crescer em um ritmo acelerado, superando a queda da velha mídia, será preciso abandonar o barco e torcer para não ser muito tarde.

No final das contas, temos esse pessoal tocando fogo em uma casa que levou décadas para construir e valorizar. Tudo sem ter garantido um novo (e confortável) lar para se mudarem.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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