Oscar busca renascer em 2024 na esteira do fenômeno 'Barbenheimer'
Já se foi o tempo em que o Academy Awards, o Oscar, dominava a atenção de todos. A cada ano parece aumentar uma desconexão entre o espectador comum e a maior premiação do cinema mundial, resultando em uma queda de audiência. Tanto é que, no Brasil, a TV Globo abriu mão da exibição na TV aberta. Porém, essa é apenas metade da história. Apesar de ser um "clubinho fechado", a premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS, da sigla em inglês) ainda mantém a sua relevância, mesmo que seja dentro da própria indústria.
Falta se reencontrar com o público. A esperança para que isso ocorra na edição de 2024 - que acontece neste domingo (10) - atende pelo nome "Barbenheimer", fenômeno cultural provocado pelos lançamentos de "Barbie" e "Oppenheimer" na telona.
Hollywood sempre soube fazer um bom marketing, e o Oscar reflete isso. Vendido como a premiação dos melhores filmes do mundo, trata-se na verdade de um prêmio de honra ao mérito, com os próprios profissionais da indústria votando em si mesmos. A cerimônia, cheia de nomes famosos e glamour, costumava atrair grandes massas, especialmente quando havia poucas alternativas de entretenimento para concorrer com o cinema norte-americano.
Tudo isso se perdeu nos últimos 20, 30 anos. Em 2023, o Academy Awards teve uma audiência de apenas 18,75 milhões de espectadores nos EUA. Um crescimento em relação aos 10,4 milhões de 2021, mas menor que o número pré-pandemia (23,64 milhões de pessoas, em 2020) e bem longe do recorde de 1998 (55,2 milhões)
No nosso país, a queda foi o suficiente para a TV Globo abrir mão da tradicional transmissão na televisão aberta. A emissora, que exibia apenas parte da cerimônia e obtinha uma audiência de apenas um dígito, percebeu que é mais jogo focar no "Big Brother Brasil".
A TNT, canal pago do grupo Warner Bros. Discovery, até destacou um recorde de público em 2023, com um crescimento de 300%, mas sabemos que apenas privilegiados têm acesso à TV por assinatura e a plataforma de streaming Max, por onde há uma transmissão simultânea.
A formação de uma bolha é exatamente o problema do Oscar, e há inúmeros motivos para isso. Um deles é que os membros da Academia envelheceram e passaram a ter um perfil (étnico e de gostos) diferente dos fãs. Tanto é que, há alguns anos, houve o movimento #OscarsSoWhite ("Oscar Muito Branco") nas redes sociais, exigindo mais diversidade entre os votantes da premiação.
Se aproveitando disso, alguns produtores desenvolveram o que ficou conhecido como "Oscar Bait" ("Isca de Oscar"): longas-metragens que se dobram a certas fórmulas para encantar o pessoal da Academia, mas não exatamente o público. Trata-se, por exemplo, de pegar um roteiro de época, misturar com um melodrama, jogar um verniz artístico e colocar Meryl Streep como protagonista. Pronto. Indicações garantidas.
Harvey Weinstein foi, por décadas, mestre nisso.
A questão passa também pela ruptura da monocultura influenciada por Hollywood. Hoje, é quase impossível criar um fenômeno global - são casos que contamos nos dedos, como o do próprio "Barbenheimer", com "Barbie" e "Oppenheimer" furando a tal bolha. De resto, o streaming e a internet em geral tem atualmente mais peso na vida das pessoas.
Cria-se um círculo vicioso: com menos gente indo aos cinemas, os estúdios estão perdidos e se desdobram para requentar fórmulas já batidas, resultando em filmes com menos aceitação e até baixa qualidade. As pessoas se afastam ainda mais, e assim segue.
Isso resulta em um Oscar que não se reflete na vida dos cidadãos comuns. Se no passado os vencedores da categoria de Melhor Filme eram títulos como "Conexão França", "O Poderoso Chefão", "Rocky: Um Lutador", "Titanic" e "Forrest Gump" (todos sucessos de bilheteria), chegamos a um mundo, em meados dos anos 2010, que os escolhidos eram "O Artista", "Moonlight: Sob a Luz do Luar" e "Spotlight: Segredos Revelados" - também ótimos, mas sem a mesma atenção e sucesso comercial.
O ápice foi em 2020 e 2021. Combalido por conta da pandemia e pelas salas de exibição fechadas, o Academy Awards entregou a estatueta principal para "Nomadland" e "No Ritmo do Coração", ampliando ainda mais esse sentimento de desconexão entre público e Academia.
Para fechar, em uma era na qual os conteúdos que fazem sucesso são aqueles com 90 segundos em uma tela pequena, fica complicado ter apelo com uma premiação com três horas e meia de duração.
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O Oscar ainda importa?
A resposta curta é: sim. Independente do engajamento que a cerimônia traz, ser premiado é um divisor de águas.
Os filmes vitoriosos, mesmo que não tenham tido uma boa bilheteria nos cinemas, chegam com outro status nas janelas de exibição seguintes - streaming, TV por assinatura e TV aberta. Isso garante mais renda para os donos dos direitos de exibição, além de audiência para as plataformas.
Um exemplo extremo é o de "Guerra ao Terror", o vitorioso da categoria principal de 2009. Dirigida por Kathryn Bigelow, a produção tinha tido pouca atenção da distribuidora brasileira e já estava disponível nas locadoras daqui. Para capitalizar com o Oscar, a empresa nacional se viu obrigada a recolher os DVDs para lançar a produção na tela grande, com toda a pompa.
Uma estatueta também muda o patamar de carreiras. Para diretores, produtores e atores, abre as portas para voos ainda maiores. Para os estúdios, é a chance de capitalizar com o status do vencedor em seus filmes mais comerciais. Ou seja, quando vão ganhar dinheiro.
O caminho oposto também existe. Quem se encaixa nele é Robert Downey Jr. O astro acumula altos e baixos na carreira, inclusive com problemas com a lei e a dependência química. A partir de 2008, ele se reencontrou com a fama mundial pelo papel de Tony Stark, o Homem de Ferro. A indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante neste ano, por "Oppenheimer", o coloca no posto de aclamado pela crítica, culminando em uma das maiores voltas por cima da história de Hollywood.
Já a Netflix, a gigante do streaming, vem gastando milhões com o objetivo comercial de vencer na categoria de Melhor Filme. Tudo para agregar para si o status que a estatueta dourada traz - algo que ainda não conseguiu.
Correção de rota
Como vemos, o Oscar, enquanto produto, tem inegáveis pontos positivos. É por isso que a AMPAS está na busca de soluções para os problemas. Entre elas, a organização passou a convidar mais membros de todo o mundo, ampliando a diversidade de opiniões e origens entre os votantes do Oscar. Há, também, uma tentativa de dar espaço para os grandes produtos comerciais.
Alguns dos reflexos já são aparentes. "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo", o melhor filme de 2023, mistura elementos dos sucessos de bilheteria (como cenas de ação com edição ligeira e um enredo sobre o multiverso) com drama independente.
Neste ano, "Barbie" (que alcançou quase U$ 1,5 bilhão de dólares em bilheteria) está indicado na categoria de Melhor Filme, enquanto o francês "Anatomia de Uma Queda" concorre a cinco estatuetas. Isso para ficar em dois exemplos.
Contudo, aquele que parece ser o "ponto ideal" é realmente "Oppenheimer". Ainda que tenha elementos de Oscar Bait, o longa sobre o "Pai da Bomba Atômica" foi um grande sucesso comercial (com US$ 935 milhões de bilheteria, a segunda melhor entre os indicados), garantindo a simpatia e torcida de muita gente. Podemos dizer que o diretor Christopher Nolan alcançou o status de destaque tanto no cinema comercial quanto no de autor, tal qual fez Steven Spielberg.
Tentando prever o futuro, é quase certo que "Oppenheimer" vença boa parte das 13 indicações que recebeu. A ansiedade das pessoas é tanta que podemos contar com um novo aumento de audiência para a cerimônia do Oscar em 2024, na esteira do "Barbenheimer".
Ao mesmo tempo, o tiro pode sair pela culatra. As concessões da AMPAS são vistas, por parte dos fãs de cinema, como quase que uma obrigação de premiar "Barbie". O fato da diretora Greta Gerwig não ter sido indicada já causou muitas críticas, e há uma boa chance da produção terminar a noite sem nenhuma estatueta - a canção "I'm Just Ken" é a grande esperança de tirar o zero do placar. Se isso se confirmar, as críticas devem ser pesadas.
Pois é, até o glamour de Hollywood precisa se repaginar para fazer sentido neste mundo em que vivemos hoje.
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