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NFL é só o começo: Netflix revoluciona o esporte, mas o Brasil perde espaço

Por anos, a Netflix resistiu à ideia de transmitir esportes ao vivo, mas isso mudou. A pioneira do streaming adquiriu os direitos da WWE (uma mistura de artes marciais e entretenimento roteirizado) e, em julho, exibirá a luta de boxe entre o youtuber Jake Paul e ninguém menos que Mike Tyson. No entanto, esse foi apenas o começo. Agora, em maio, a empresa anunciou um investimento milionário para exibir as partidas de Natal da liga de futebol americano, a NFL, entre 2024 e 2026.

"Nós resolvemos fazer uma grande aposta no ao vivo - explorando a grande base de fãs da comédia, reality shows, esportes e muito mais", gabou-se a chefe de conteúdo da companhia, Bela Bajaria, em um comunicado oficial. "Não há eventos anuais ao vivo, esportivos ou outros, que se comparem ao público que o futebol da NFL atrai."

O acordo é o primeiro entre a plataforma e uma liga esportiva profissional, em um investimento de US$ 150 milhões (R$ 771 milhões) por ano, de acordo com a Bloomberg. O movimento está fazendo os cartolas esfregarem as mãos, enquanto os canais tradicionais ficam preocupados com o novo competidor pelos direitos de exibição. Afinal, essa jogada pode ser mais do que um touchdown para o streaming a longo prazo.

Para Amir Somoggi, diretor executivo da consultoria Sports Value, trata-se de um fluxo natural, que começou com a entrada da plataforma das séries documentais sobre os bastidores das disputas - que rapidamente viraram uma febre. "'Drive to Survive' [sobre a Fórmula 1] é um fenômeno de construção de uma audiência que não existia, com jovens no mercado americano. Outro caso, 'The Last Dance' ['Arremesso Final'], do Michael Jordan, impulsionou muito as vendas do [tênis] Air Jordan. Já estava lá, mas cresceram muito depois da série."

"Drive to Survive" virou febre e atraiu novos fãs para a F1
"Drive to Survive" virou febre e atraiu novos fãs para a F1 Imagem: Divulgação/Netflix

De acordo com dados da consultoria Ampere, 65% dos fãs de esportes brasileiros assistem a "docusséries" do gênero de forma regular. Na Índia, o número pula para 78%. Já a Netshoes, que opera a loja oficial da NBA no Brasil, reportou um aumento de 650% nos produtos relacionados ao Chicago Bulls, ex-time de Jordan, após a estreia de "Arremesso Final".

A Netflix é mais importante hoje na construção de uma marca do que até a transmissão de um jogo. Amir Somoggi, diretor executivo da Sports Value

Somoggi lembra que a estratégia foi contrária à da principal concorrente, o Prime Video, da Amazon, que investe na NFL há alguns anos e que, no Brasil, já transmite as partidas ao vivo da NBA e da Copa do Brasil. Os objetivos, no entanto, são diferentes: o futebol serve como um chamariz para assinar o serviço, que faz parte de um pacote maior (o Amazon Prime), que também oferece frete grátis dentro do e-commerce. Ou seja, você chega por conta do seu time do coração e, já que está lá, aproveita para comprar papel higiênico.

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Se exibir os bastidores era tão (ou mais) efetivo do que ter os jogos ao vivo, fica a dúvida: por que a Netflix está investindo ao menos US$ 450 milhões (R$ 2,3 bilhões) para ter as partidas de Natal da NFL? O motivo é simples: vender anúncios.

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A empresa entrou no ramo de publicidade online em 2023. Ela agora oferece um plano mais barato, que custa R$ 18,90 por mês no Brasil, e em troca esse assinante assiste a propagandas. A intenção é ampliar a base de espectadores com uma opção mais em conta, enquanto a companhia consegue ganhar dinheiro dos anunciantes.

Acontece que é um desafio nos fazer querer ver os famigerados "reclames" no meio de um filme ou série favorita. É aí que entram os esportes.

Transmissões esportivas se encaixam como uma luva para exibir conteúdo publicitário, seja nos intervalos (e, no futebol americano, não faltam pausas) ou durante os eventos em si. Melhor do que isso: é possível mostrar anúncios até para quem paga os planos mais caros, já que todo mundo os considera como parte da experiência.

No mesmo evento que confirmou os direitos da NFL, a Netflix confirmou que possui 40 milhões de usuários ativos mensais dentro da assinatura com propagandas. Considerando que a plataforma está em quase 270 milhões de lares, uma partida tem um potencial publicitário muito maior.

Um novato em campo

A NFL é a liga esportiva mais popular nos Estados Unidos e uma das maiores do mundo, mas o tamanho do investimento da Netflix ainda é pequeno - mesmo que apenas dois jogos sejam quase o equivalente ao que a empresa pagou pelas duas partes da saga cinematográfica "Rebel Moon", do diretor Zack Snyder. Se a empreitada for bem-sucedida, e tem tudo para ser, novas aquisições devem estar por vir - e isso é música para muitos ouvidos.

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Dois filmes da caríssima franquia "Rebel Moon" custam um pouco mais que um dia de jogos da NFL
Dois filmes da caríssima franquia "Rebel Moon" custam um pouco mais que um dia de jogos da NFL Imagem: Divulgação/Netflix

"É natural que os clubes e as ligas tenham que olhar para essas plataformas de streaming, especialmente a Amazon Prime Video, e Netflix, e o Disney+, porque essas três realmente estão construindo uma relação com essa base de fãs", diz Amir Somoggi. Para o especialista, o vídeo sob demanda precisa fazer parte do pacote de exibição, inclusive ajudando a criar uma comunidade de fãs.

Neste cenário, quem sai perdendo é a TV tradicional, que fica espremida entre a fome do streaming e a queda constante de assinantes na modalidade paga. A tendência é que, com o tempo, os pacotes de partidas exibidas pelos canais por assinatura migrem para a transmissão online. "Elas não têm como lutar. [...] Vão ter que pagar mais pelos direitos", atesta Somoggi.

Enquanto isso, no Brasil

Hoje, a NFL é a maior liga do mundo em receita. Enquanto isso, a Série A do Campeonato Brasileiro de Futebol ocupa apenas a 12ª posição - em uma distância que tem tudo para aumentar nesta nova fase.

"O Brasil está sempre muito atrasado, ele não entendeu ainda a importância dos documentários, da plataforma de streaming", afirma Amir Somoggi. Para o consultor, os times brasileiros perdem muito tempo preocupados com os direitos de transmissão das partidas e esquecem de negociar a exibição de séries documentais ou dos melhores momentos com as grandes plataformas da internet, algo que ajudaria a formar uma nova base de fãs junto ao público mais jovem - cada vez menos interessado no ao vivo, diz ele.

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Para piorar, o futebol nacional vive um momento de divisão. Os grandes clubes estão atualmente rachados em duas facções, a Liga Forte União (LFU) e a Liga do Futebol Brasileiro (LIbra). Sem acordo, ambos os blocos estão negociando os direitos de exibição do Brasileirão a partir do próximo ano de forma separada. Enquanto a Libra fechou com a Globo no território nacional, a LFU ainda busca um comprador.

"A Série A não é um produto hoje interessante porque ninguém conhece, ele não tem relevância mundial", explica Somoggi. Em termos de popularidade em regiões como a América do Norte e a Ásia, a liga daqui perde para os campeonatos de Inglaterra, Espanha, Itália e diversos outros. Até mesmo no nosso país está cada vez mais fácil encontrar alguém com a camisa de Real Madrid, Barcelona ou PSG do que de times locais.

A Série A teria que se reinventar, olhar para o mundo, entender como falar com esse público diverso que está espalhado pelo globo e ter um produto mundial. Hoje, é um produto mal-acabado, que a Netflix não tem nenhum interesse, e ao que parece os clubes também não se deram conta disso. Estamos completamente fora do jogo por incapacidade gerencial dos clubes brasileiros. Amir Somoggi, da Sports Value

Resumindo: o futuro do futebol brasileiro, enquanto produto, depende da capacidade dos nossos cartolas em enxergarem o esporte como algo além do que o dinheiro que vão receber hoje. Uma conclusão preocupante, como bem sabemos.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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