'Inflação' da Netflix e de outros streamings chega a 40% em três anos
Não é só impressão, nem é fato isolado. Os novos reajustes de preço da Netflix e do Disney+ são apenas a repercussão mais recente: as plataformas de streaming estão ficando cada vez mais caras. Se antes o vídeo sob demanda era uma alternativa mais barata para o entretenimento, o setor agora passa por um período de "inflação" - que já está na casa dos 40%.
A Netflix é o maior exemplo desse movimento. Entre o começo da pandemia e a última semana, uma família que dividia o Plano Padrão entre duas casas diferentes viu o custo mensal aumentar de R$ 32,90 para R$ 57,80, um salto de 75,6%.
"Oferecemos uma variedade de preços e planos que se ajustam a diversas necessidades. Para oferecer cada vez mais opções de entretenimento aos nossos assinantes, ocasionalmente atualizamos nossos preços. A partir de hoje, nossos preços no Brasil começam a partir de R$ 20,90", respondeu a companhia ao ser questionada sobre os novos valores - citando a opção mais barata, com anúncios e sem o adicional pelo compartilhamento de senha, como ponto de entrada.
"Historicamente, em 90% dos países em que está presente, a Netflix aumenta os preços em todos os anos", explica Omarson Costa, especialista em transformação digital da indústria de mídia e com uma passagem de quase quatro anos como executivo da própria Netflix.
A pioneira não está sozinha nessa "inflação". A Warner Bros. Discovery embutiu um novo aumento, de 15%, no preço da assinatura durante a migração da HBO Max para Max, em fevereiro, passando a cobrar R$ 39,90 na versão sem anúncios. O antigo serviço custava R$ 27,90 mensais quando foi lançado, em 2021.
Já o Amazon Prime, pacote de comodidades que inclui o Prime Video, subiu de R$ 14,90 para R$ 19,90 em março, um reajuste de 33%. Quando lançado, custava apenas R$ 9,90. Recentemente, o Apple TV+ passou de R$ 14,90 para R$ 21,90, um incremento de 46%.
O Disney+ é outro que terá mais um reajuste, que acontecerá após receber os conteúdos do moribundo Star+. Sem considerar o plano com anúncios, que ainda não teve os valores divulgados, a plataforma passará a custar R$ 43,90 (contra os atuais R$ 33,90), uma subida de quase 30%. Já os fãs de esportes ao vivo pagarão R$ 62,90, sendo que o Combo+ atualmente cobra R$ 55,90 por basicamente a mesma coisa.
Colocando tudo isso na ponta do lápis, a média ponderada de todos esses aumentos fica em 40,8% em três anos - bem acima dos 21,1% de inflação registrados pelo IPCA no mesmo período.
Efeito Netflix
Omarson Costa revela que há uma série de fatores por trás dos recentes reajustes. Por anos, o jogo da Netflix junto aos investidores de Wall Street era incrementar a base de pagantes para, dessa forma, aumentar a receita. Com taxas de crescimento trimestrais na casa dos dois dígitos, acreditava-se que o limite de assinaturas estava na casa dos bilhões.
Contudo, em 2022 veio o primeiro resultado negativo de assinantes da companhia em tempos de vídeo pela internet, após o boom registrado no começo da pandemia. Foi quando perceberam que esse teto era muito mais baixo, e a Netflix passou a olhar para outras formas de aumentar os ganhos.
Um dos caminhos é justamente tirar mais do bolso dos consumidores. A empresa se voltou contra aqueles usuários que assistiam aos conteúdos por meio das contas de terceiros, um universo que chegou a estimar em mais de 100 milhões de famílias - e passou a taxá-las. Também surgiu o interesse por uma outra receita disponível: aquela que era gasta com a TV paga.
"Há uma transferência de dinheiro de um lado para o outro", afirma Costa. Ele explica que uma parte do orçamento das famílias era reservado para a televisão por assinatura e, aos poucos, esse dinheiro passou a migrar para os pagamentos no vídeo sob demanda. "Enquanto a TV a cabo está diminuindo o preço, o streaming está aumentando. Mas é o mesmo dinheiro. Quem cancelou a NET [a atual Claro tv] vai assinar três canais de streaming, por exemplo".
A Netflix vai aumentar o preço até conseguir comer o maior share possível do [dinheiro do] mercado de TV por assinatura. Se havia R$ 200 na mesa, ela vai querer ficar com o máximo possível - e deixar o restante para a Disney, por exemplo. Mas ela vai disputar esse dinheiro com um monte de gente. Omarson Costa
Oficialmente, a companhia não assume essa estratégia — mas ela pode ser lida nas entrelinhas, em um discurso de maior adaptabilidade ao bolso dos consumidores de cada local onde atuam. "Evoluímos nossos preços e planos com vários níveis e preços diferentes em diferentes países. Eu acredito que esses preços vão se tornar cada vez mais diferentes", disse Greg Peters, co-CEO da empresa, na mais recente conferência com os investidores, em abril.
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Essa é apenas parte da história. Omarson Costa lembra que, com a mesma queda de 2022, a gigante do streaming notou que precisava encontrar outra forma de receita. Foi quando anunciaram que passariam a ter anúncios na plataforma, em um plano mais barato.
"A publicidade é um mercado potencialmente muito maior, em trilhões de dólares, do que o mercado de TV por assinatura", diz.
Um ponto que o executivo levanta é que a empresa norte-americana tem o volume que nenhum outro canal conquistou antes, obtendo uma vantagem competitiva em um mercado publicitário notadamente pulverizado. Por definição, as emissoras tradicionais são regionalizadas por causa das limitações tecnológicas ou regulatórias, algo que não ocorre no streaming. "A Netflix é o primeiro player do mundo a poder fazer o mesmo modelo de televisão em 190 países".
Apesar de ser um caminho diferente para gerar faturamento, a versão com publicidade acaba se beneficiando do aumento de preços. É como disse a própria empresa: eles oferecem preços para os mais diversos bolsos, "a partir de R$ 20,90". Ficou muito caro manter o pacote habitual? A alternativa mais interessante para você será ainda melhor para a Netflix.
Enquanto isso, nos concorrentes
Por ser a pioneira, a Netflix definiu as tendências no streaming. É por isso que outros grupos de mídia e tecnologia entraram nesse caminho. Primeiro, acreditando que havia um mercado gigantesco. Depois, assim como a concorrente, viram que precisavam aumentar preços e investir no mercado publicitário para fechar a conta.
Omarson Costa ressalta ainda um terceiro ponto: para ser vitorioso no vídeo sob demanda é necessário uma plataforma boa, competitiva - e não é possível comprar essa tecnologia pronta, como fazemos com aplicativos de computador ou até com um carro. O executivo até usa como metáfora a Fórmula 1, onde uma equipe que quer competir precisa desenvolver praticamente tudo sozinha, com poucas peças já prontas disponíveis para a compra. Caso esse time queira lutar pelo pódio, isso envolverá nuances, custos e estratégias muito maiores. "Os estúdios de Hollywood estão investindo muito para tirar a diferença tecnológica para a Netflix".
Nesse sentido, só nos resta esperar que os preços não continuem acelerando na mesma velocidade que Max Verstappen, o atual tricampeão da F1.
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