Como a Pixar busca reencontrar o caminho do sucesso com 'Divertida Mente 2'
Inovação. Este é um elemento difícil de ser mantido ao longo do tempo, principalmente em uma indústria competitiva - e gananciosa - como é o cinema. A Pixar, famoso estúdio de animação por trás de "Toy Story", conseguiu mantê-la por décadas. Agora, em seu pior momento criativo, a subsidiária da Disney tenta fazer as pazes com o sucesso e com o público com a estreia de "Divertida Mente 2", que chegou aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (20).
Não é pouco o peso nos ombros na continuação de "Divertida Mente". Desde 2020, com "Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica", a Pixar vive uma série de reveses por fatores externos, como a pandemia, e por escolhas erradas. Entre elas, o lançamento direto no Disney+ de produções como "Soul" e "Red: Crescer é uma Fera", e grandes erros criativos, como "Lightyear".
Por enquanto, as emoções de Riley estão dando conta do recado. De acordo com o Box Office Mojo, em dados compilados até o fechamento deste texto, a produção já arrecadou mais de US$ 438 milhões (R$ 2,38 bilhões, pelo câmbio atual) nos cinemas de todo o mundo, mesmo tendo estreado uma semana depois em alguns territórios, incluindo o Brasil. Foram US$ 235 milhões (R$ 1,28 bilhões) apenas nos EUA.
O título se tornou a maior estreia de uma animação na história, superando "Super Mario Bros.: O Filme". Nos Estados Unidos, é a segunda maior, atrás apenas de "Os Incríveis 2", da própria Pixar. Os dois longas anteriores eventualmente romperam a barreira de US$ 1 bilhão na bilheteria mundial, deixando um prognóstico extremamente positivo para o título mais recente.
Será, então, que a Disney e a Pixar finalmente superaram sua crise de inovação? Infelizmente, esse resultado pode ser apenas um sintoma de um problema maior a ser corrigido.
Filmes originais
A Pixar Animation Studios é um dos maiores casos de sucesso de Hollywood moderna. Originalmente o estúdio era uma divisão da Lucasfilm, sendo responsável pela computação gráfica de "Star Wars". George Lucas viu o potencial e concordou em transformar o grupo em uma empresa própria — financiada por ninguém menos que Steve Jobs, o cofundador da Apple.
Desde "Toy Story", de 1995, a companhia se firmou como uma das mais inovadoras da indústria. Por um lado, pelo formato: ninguém havia se aventurado na produção de longas-metragens totalmente animados por computador. Por outro, pelos roteiros bem elaborados, com histórias marcantes que embalaram gerações.
A crise de criatividade atual tem várias explicações. Uma delas é que o estúdio foi vítima do próprio sucesso: adquirido pela Disney em 2006, manteve parte da sua autonomia, mas foi obrigado a produzir cada vez mais sequências. É difícil continuar com o frescor quando se está preso a velhas ideias.
Outro golpe significativo veio em 2018, com a saída de John Lasseter, um dos principais líderes criativos, após acusações de assédio sexual.
Para agravar o período difícil, a Disney perdeu o rumo enquanto tentava entender o atual momento do entretenimento. Os lançamentos diretamente para o Disney+ enfraqueceram a percepção da Pixar como uma experiência de tela grande e, quando a estratégia de lançamento nos cinemas foi retomada, as produções tiveram bilheterias fracas e receberam críticas negativas.
"Todos nós levamos um soco no estômago e isso afetou a moral", contou Jim Morris, atual presidente do estúdio de animação, em uma recente entrevista à Bloomberg. "Pensei: 'Será que as pessoas simplesmente não querem mais ver o tipo de filme que fazemos? Acabou?'".
Ideias originais e continuações
Lá atrás, o que trouxe muito desse frescor para a Pixar foi o estímulo ao desenvolvimento de histórias originais.
Dos dez primeiros longas-metragens de cinema do estúdio, lançados entre 1995 e 2009, nove foram totalmente inéditos. Houve apenas uma sequência: "Toy Story 2", motivo inclusive de um grave descontentamento entre Steve Jobs e o então CEO da Disney, Michael Eisner. Todos os títulos foram hits comerciais, além de terem vencido oito Oscar competitivos e um honorário.
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Quero receberDe 2010 para cá, a Pixar alternou a introdução de personagens novos com continuações das histórias anteriores, além de aumentar o número de estreias por ano. Em grande parte, para cumprir uma função importante dentro do grupo do Mickey Mouse: vender brinquedos, produtos licenciados e atrações de parque.
Já são 18 longas dentro dessa segunda fase, sendo oito sequências e um derivado ("Lightyear"). Em termos de Oscar, foram oito também — ou seja, o aproveitamento está menor. No quesito bilheteria, considerando o cenário pré-pandemia, apenas um título havia falhado: "O Bom Dinossauro", curiosamente um enredo original — e que teve um processo de produção extremamente complicado, incluindo até a demissão do diretor.
Olhando apenas esses dados, a impressão é de que a Disney tirou parte da magia da Pixar, agravando ainda mais o cenário com a saída de Lasseter. No entanto, Peter Docter, atual líder criativo do estúdio e diretor de "Soul", tem outra opinião, como contou para a Bloomberg:
O mundo está mais lotado. Há tanta coisa por aí e é cada vez mais difícil surpreender as pessoas. Isso significa que temos que trabalhar mais.
O cineasta não deixa de ter a sua razão. O cinema como um todo vive um momento difícil, com queda de arrecadação. A conexão entre a telona e o público foi quebrada. Ingressos caros, a competição com o streaming e a expectativa de poder ver o mesmo longa-metragem em casa em dois ou três meses não ajudam — questões já abordadas nesta coluna. Porém, o sucesso de "Divertida Mente 2" revela que, com o filme e a expectativa certos, as pessoas estão prontas para encarar a magia de uma sala escura mais uma vez.
A questão é: a falta de inovação da Pixar e de outros estúdios deixou os espectadores menos dispostos a arriscar na hora de escolher o que assistir, ou a repetição de histórias acontece justamente porque o público não dá mais chance a algo novo?
Próximos filmes da Pixar
Neste momento, o horizonte da Pixar é incerto — ao menos para quem está do lado de fora.
O próximo lançamento será "Elio", de Adrian Molina (codiretor de "Viva: A Vida é uma Festa"). Na história, o personagem-título é um garoto de 11 anos que, acidentalmente, é nomeado o embaixador intergalático da Terra. Originalmente programado para 2024, a estreia acabou adiada em meio às greves do ano passado. Agora está agendada para junho de 2025.
Para março de 2026, a Pixar está preparando um longa-metragem cujo título ou detalhes ainda não foram anunciados. Em junho do mesmo ano chega "Toy Story 5". Isso mesmo, esse será o quinto capítulo da franquia.
Normalmente, as animações da empresa levam de quatro a cinco anos para serem produzidas. O que vem por aí já está no forno, mas chama a atenção a falta de detalhes públicos. Em outros tempos, Disney e Pixar já teriam confirmado ao menos essa produção misteriosa de 2026.
Na entrevista recente para a Bloomberg, Jim Morris deu mais alguns detalhes. De acordo com a publicação, o presidente do estúdio quer lançar três filmes a cada dois anos, sempre alternando entre ideias originais e continuações/derivados. Nesse último caso, os mais cotados para retornarem aos cinemas são "Os Incríveis" e "Procurando Nemo".
Faz sentido: as segundas partes dessas duas franquias ultrapassaram a barreira de um bilhão de dólares na bilheteria global, além de venderem muito mais em produtos.
Como vemos, a emoção da Ganância ganha cada vez mais força dentro da cabeça da Pixar. Tudo bem, faz parte do amadurecimento e da vida adulta de quem está na casa dos 40 anos. Só vamos esperar que ela dê espaço para a Criatividade brilhar.
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