'Shoptime 2.0': Influencers remodelam mercado trilionário das redes sociais
Influenciadores, criadores de conteúdo, estrelas das redes sociais: chame-os como quiser, mas não diga que o que fazem é apenas uma brincadeira. Eles precisam sempre reinventar a maneira de ganhar dinheiro em um ambiente que exige constante inovação, criando novos modelos de monetização para ter sucesso em um mercado trilionário, embora desafiador e arriscado.
Esta coluna conversou com especialistas e com os próprios "creators", como alguns preferem ser chamados, para entender como é essa "Profissão: Influencer" nos tempos de TikTok e Instagram Reels.
Segundo a Goldman Sachs, a chamada "creator economy" movimenta US$ 250 bilhões (R$ 1,37 trilhão) anualmente, em todo o mundo. De acordo com a financeira, são mais de 50 milhões de pessoas produzindo para as mídias da internet, mas apenas 4% recebem mais de US$ 100 mil (R$ 550 mil) por ano.
Por isso, as mídias sociais têm se transformado em uma versão pós-moderna do antigo canal pago Shoptime, que marcou época ao misturar entretenimento com propagandas. Afinal, tem crescido o volume de pessoas que geram receita fazendo a avaliação de produtos, criando as próprias marcas ou vendendo serviços, reflexo de uma ineficiência das ferramentas de monetização nativas das plataformas online.
O maior exemplo é Bianca Andrade, mais conhecida como Boca Rosa e com 20 milhões de seguidores só no Instagram. Nesta semana, ela realizou uma live para lançar sua nova marca de cosméticos e, segundo a Forbes Brasil, faturou R$ 5 milhões em quatro horas de transmissão ao vivo, com 1,1 milhão de espectadores.
"Se você perceber, há um padrão: quase todos os grandes influenciadores vendem algum tipo de produto, porque, além de fazer o dinheiro ali na própria plataforma, ele pode expandir. Vira a própria marca e começa a ganhar dinheiro dessa forma", explica Nicole Benedito, especialista no assunto e gerente sênior global de Mídias Sociais e Marketing Digital da NVH Studios, dona de marcas como a Zeferino, de calçados.
Não são só os gigantes: o padrão se repete com os chamados "influs" de nível médio, como a criadora de conteúdo Karina Valezin, responsável pela conta @donacuriosa no Instagram. Com 222 mil seguidores, ela avalia produtos de terceiros desde 2018. "É muito uma curadoria do que eu gosto e o que eu acho que os seguidores vão gostar", define.
Hoje existem muitos perfis nesse segmento e é preciso se destacar com um conteúdo legal, um jeito de mostrar humor, com uma comunicação diferente. Karina Valezin, a Dona Curiosa
Diversificação de formatos
Essa mudança ocorre devido à já mencionada diminuição no dinheiro proveniente das próprias plataformas. Mesmo o pioneiro no modelo, o YouTube, não paga mais os mesmos valores do passado. Enquanto isso, TikTok e Instagram levaram anos para adotar a mesma política de divisão de receitas advindas da publicidade, e os valores pagos aos influencers são baixos.
"Não é um dinheiro significativo, apenas para quem viraliza todo o dia [...] E isso nem sempre acontece. Por exemplo, um vídeo com 100 mil visualizações no TikTok rende cerca de US$ 5 [R$ 27], no máximo US$ 15 [R$ 82]", compartilha Bruno Baroni, que conquistou 950 mil seguidores no Instagram e outro 1,8 milhão no TikTok com suas esquetes de humor. Segundo ele, cada view de no mínimo três segundos rende apenas 0,014 de centavo de dólar (US$ 0,00014, ou R$ 0,00077).
É por isso que engenhosidade é uma característica necessária para quem quer ganhar dinheiro na rede, complementa Nicole Benedito: "É preciso ter um planejamento cuidadoso e a diversificação dessas fontes [de renda]".
No caso de creators como Karina Valezin, o dinheiro pode vir dos chamados "publis", ou "publiposts", com as marcas pagando para serem analisadas pela Dona Curiosa. O modelo é um dos mais antigos para a monetização nas redes, mas ganhou nova roupagem com o advento dos influencers pequenos e médios.
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Quero receberHá agências e plataformas especializadas nesse meio de campo, representando as marcas e negociando as campanhas. São oportunidades que podem pagar de algumas centenas de reais a R$ 35 mil por publicação, dependendo do número de seguidores do criador de conteúdo e do formato escolhido. O valor é dividido entre o intermediador e o influenciador.
"No orgânico, eu posto e falo minha opinião independente se é positiva ou negativa. Já na publicidade, eu só publico se eu realmente gostar do produto. Tem alguns segmentos que eu não faço independente do valor (como cartão de crédito, remédios para emagrecer, empréstimo, jogos, etc.), e produtos que não uso, que não acredito que combinam com o meu perfil", esclarece Karina. Para ela, a sinceridade traz credibilidade perante o público.
Em um modelo semelhante, grandes ecommerces como Amazon e Shopee utilizam a tática do marketing de afiliação. Dessa forma, os criadores de conteúdo podem ganhar até 6% do valor de venda de cada produto comprado pelo espectador. Foi isso que tornou comum ler frases como "deixe seu comentário para receber o link na mensagem direta" ou "clique no link da bio" no Instagram.
Bruno Baroni conta que a maior parte de seu faturamento também vem de publis, mesmo tendo o humor como o seu principal produto. "Meu foco mesmo é criar autoridade no mercado. Quando você vira uma referência na internet, as marcas querem te patrocinar", comenta o creator que, apesar da formação em medicina, ganhou notoriedade durante a pandemia com vídeos inspirados no dia a dia de sua área profissional. "O entretenimento é o meu sonho", compartilha.
Já faz algum tempo que ganho o mesmo que ganhava como médico, mas há épocas de vacas gordas e vacas magras, dependendo muito do fluxo do mercado de marketing. Um influenciador pode ficar até dois meses sem fechar um contrato. Bruno Baroni
Para Nicole Benedito há uma diferença desses criadores de conteúdo em relação às super celebridades, como Kim Kardashian. A socialite cobra US$ 1,69 milhão por publicação (de acordo com levantamento da ferramenta de redes sociais Hopper HQ), mas gera "apenas" 1% de interações entre seus 362 milhões de seguidores, segundo a pesquisa da plataforma de marketing Hypetrain.
De acordo com a especialista, quem efetivamente motiva a compra do produto são os influencers menores.
As marcas ainda fazem parceria com os grandes influenciadores por conta de awareness [reconhecimento] de marca. Você atinge pessoas diferentes e faz a marca ser conhecida. Porém, quando pensamos em conversão, o cenário é diferente. Nicole Benedito, especialista em mídias sociais
Círculo virtuoso
Outro caminho para gerar dinheiro é usar a presença nas mídias sociais para "turbinar" as outras áreas de atuação do creator. É o que faz João Vittor Ponzetta, conhecido na internet apenas como Ponzetta, que tem 237 mil seguidores no Instagram e 192 mil no TikTok. Isso em dois anos e meio de atuação online.
Especialista em calistenia - um conjunto de exercícios físicos que utilizam o peso do próprio corpo -, ele produz vídeos compartilhando dicas de como ficar em forma. Essas publicações servem como uma porta de entrada para a venda do seu "infoproduto", como ele mesmo define — um programa de atividades que custa a partir de R$ 70. "Eu tenho hoje uma porcentagem grande da minha renda que vem através da internet", revela. "Chega a ser 80%, é muito grande".
Ponzetta também aproveita a autoridade construída para vender aulas presenciais. "Uma média de 80, 85% das pessoas que tenho aqui comigo vieram através da web. Os outros 15% são mais no boca a boca".
Na prática, lembra o que a personal trainer Solange Frazão fazia nas tardes da TV há mais de 20 anos, só que em versão atualizada.
Os perigos e o risco da IA
Nem tudo é perfeito. Nicole Benedito comenta que o trabalho de influenciador não é fácil, muito pela pressão gerada pelos próprios fãs.
Você abre um portal para que as pessoas estejam dentro da sua vida de uma forma muito agressiva, muito presente, no sentido de estarem ali constantemente em cima de você. E aí você não tem um break, né? Porque você tem que estar o tempo todo em evidência e mostrar a sua rotina, o que está fazendo, senão você perde sua relevância. Nicole Benedito
Outra questão é a constante evolução das redes sociais. As plataformas mudam algoritmos sem aviso prévio, e novos aplicativos surgem e se tornam populares, desbancando os antigos. Quem não acompanha essas transformações corre o risco de ficar para trás, podendo até manter milhões de seguidores em uma plataforma que ninguém mais acessa.
A revolução mais recente é a da inteligência artificial, que permite produzir conteúdo em grande volume, competindo contra quem é de carne e osso. Um exemplo extremo é a Aitana, uma influencer de IA criada por uma agência espanhola e que já tem 322 mil seguidores vivendo uma vida (literalmente) irreal.
No entanto, um avatar ou post sem personalização não consegue - ainda - ter o mesmo resultado de uma pessoa real. "Os influenciadores humanos enfrentam essa pressão de manter essa autenticidade, essa conexão emocional com os seguidores. Acredito que para a IA, por mais que ela já tenha chegado bem perto disso, ainda é desafiador replicar essa conexão humana", diz Nicole Benedito.
Nem tudo está perdido: a especialista afirma que a inteligência artificial pode sim ser um trunfo para creators reais, sendo usada para automatizar parte do processo de produção ou até para fazer ações em volume, como responder comentários, liberando tempo para as tarefas criativas.
Na semana passada, por exemplo, a Meta anunciou um robô conversacional que se passará por influencers em chats com fãs, facilitando a vida de quem recebe muitas mensagens diretas. "Aqueles que fizerem isso terão uma vantagem competitiva", conclui Nicole.
Afinal, é como dizem: se não pode vencê-los, junte-se a eles.
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