Paramount quer sobreviver após fusão, mas vive dias de 'Missão: Impossível'
A Paramount Global, grupo de mídia criado no entorno de um dos últimos grandes estúdios da Era de Ouro de Hollywood, vai mudar de mãos. Em acordo anunciado agora em julho, a produtora Skydance Media, do bilionário David Ellison, de 41 anos, está adquirindo a controladora do conglomerado em investimento total de US$ 8 bilhões (R$ 44 bilhões). A fusão entre as corporações deverá ser concluída em setembro de 2025.
Porém, um fantasma pode assombrar essa união - com o impacto chegando até nós, espectadores de filmes como "Top Gun" e "Missão: Impossível", ou de séries como "CSI" e "Star Trek". Os novos donos esperam cortar nada menos que US$ 2 bilhões (R$ 11 bilhões) nos custos em uma companhia que tem uma dívida de longo prazo na casa dos US$ 14,6 bilhões (R$ 80 bilhões).
A compra foi sacramentada depois de meses de negociações conturbadas. David, herdeiro do cofundador da gigante de tecnologia Oracle, Larry Ellison, foi o mais forte concorrente para adquirir um grupo que é apenas uma sombra do passado.
Mudança de mãos
A Paramount Global de hoje é o resultado de diversas fusões, aquisições e spin-offs que vêm desde a década de 1980. Nos anos 1990, o conglomerado atendia pelo nome de Viacom e passou a surfar na explosão da televisão por assinatura. Foi quando marcas como MTV e Nickelodeon ganharam força na cultura popular, formando novas gerações.
Nada disso sobreviveu a uma série de decisões desastrosas do magnata Sumner Redstone no fim de sua vida, nem de sua filha, Shari, que herdou do pai a companhia. Veio junto o declínio da TV paga, o fenômeno Netflix e a mudança de comportamento dos consumidores. Muito da Paramount virou pó, com marcas do passado que simplesmente perderam seu peso para os jovens de hoje. Em valor de mercado, o grupo de mídia perdeu US$ 17 bilhões (R$ 94 bilhões) desde 2019.
Não dá para dizer que David Ellison é um cavaleiro cavalgando em seu cavalo branco para salvar a donzela em perigo. O bilionário chega com uma missão que muitos podem acreditar que é impossível, com o perdão do trocadilho. Mais do que isso, até: ele coloca em risco a própria Skydance, que fundou em 2006 e vem em uma trajetória de crescimento constante desde então.
A agência de classificação de crédito Moody's, por exemplo, coloca em dúvida se os novos donos vão conseguir diminuir as dívidas, citando "as contínuas pressões seculares sobre as redes de televisão da empresa e o lento giro para alcançar a escala de streaming direto ao consumidor".
Explicando os rumos
Ellison não demorou a fazer um tour pela imprensa americana, tentando explicar as suas intenções. No frigir dos ovos, ele alega que é necessário uma visão mais ágil e moderna.
O executivo cita bastante a influência do pai, que transformou a Oracle Corporation em uma multibilionária empresa de tecnologia. Você talvez não reconheça a marca, mas ela está certamente presente na sua vida: a companhia vende softwares de base de dados e hospedagem na nuvem e, em valor de mercado em seu setor, perde apenas para Microsoft e Google, de acordo com ranking da Forbes.
A transição para o digital é o primeiro grande caminho. O conglomerado possui o Paramount+, plataforma de streaming lançada em março de 2021 e que conta com 71 milhões de assinantes em todo o mundo. No ranking global, ocupa apenas a nona posição no quesito.
Pior do que isso: o serviço é um buraco sem fundo. De acordo com o balanço público, as iniciativas diretas para o consumidor da Paramount (que incluem também a Pluto TV) resultaram em uma despesa de US$ 8,3 bilhões (R$ 46 bilhões) em 2023, enquanto a receita ficou em US$ 6,7 bilhões (R$ 37 bilhões). Está no vermelho em US$ 1,6 bilhão (R$ 8,8 bilhões).
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Quero receberAinda assim, Ellison está dobrando a aposta. Em entrevista ao podcast The Town, o executivo disse que continuará apostando no Paramount+. A visão que ele traz, mais tecnológica, pode ajudar na hora de encontrar o caminho.
A questão é: apenas melhorar o algoritmo e a plataforma são o suficiente?
O novo CEO terá ajuda, é verdade. A nova direção já apontou que Jeff Shell será o próximo presidente da Paramount Global. Em sua passagem como chefão da NBCUniversal, Shell foi responsável por elaborar uma estratégia para diminuir o impacto da pandemia. Nela, os filmes têm um tempo de exclusividade reduzido nos cinemas e são lançados mais rapidamente no chamado PVOD (Premium Video on Demand), uma modalidade de aluguel e compra por preços mais elevados. Para contornar a resistência dos exibidores, a Universal Pictures compartilhou com eles parte da receita do digital.
O mundo de 2024 é diferente do de 2021, mas Shell certamente aprendeu muito daquelas negociações e pode "oxigenar" as estratégias.
Ellison também está falando em ampliar o número de lançamentos da Paramount Pictures na tela grande. Certamente ele está em busca de replicar o fenômeno de "Top Gun: Maverick", que não só trouxe US$ 1,45 bilhão (R$ 8 bilhões) de bilheteria mundial em 2022, como posteriormente trouxe mais assinantes para o Paramount+ e rendeu um bom faturamento em licenciamento nas janelas subsequentes — o longa-metragem estrelado por Tom Cruise está hoje no catálogo da Netflix, por exemplo.
Seja como for, o atual calendário não é muito positivo. Depois de "Um Lugar Silencioso: Dia Um", o estúdio tem boas produções agendadas para chegar à tela grande neste ano - como "Gladiador 2", "Sorria 2" e "Sonic 3: O Filme". Porém, para 2025, as esperanças recaem no próximo "Missão: Impossível", que está em xeque após "Missão: Impossível - Acerto De Contas Parte 1" ficar aquém das expectativas.
Isso se você não considerar um remake de "Corra Que a Polícia Vem Aí" estrelado por Liam Neeson.
"Grupo global de comunicação vende tudo"
Para alcançar a meta de cortes, é muito provável que a Paramount coloque alguns de seus ativos à venda.
Entre eles estão os canais pagos. A BET, voltada para o público afro-americano, provavelmente será um dos primeiros. De acordo com a Variety, a transação - no valor de cerca de US$ 1,6 bilhão (R$ 8,8 bilhões) — já estaria acertada. O negócio inclui o streaming BET+ (que não está disponível no Brasil) e a marca VH1.
Resta saber o que o grupo fará com MTV, Nickelodeon, Comedy Central e adjacências. Pode optar por manter os canais como estão atualmente, até que o modelo mingue de vez, o que ainda pode demorar para acontecer. Enquanto isso, vão extinguindo submarcas como MTV Hits, Club MTV e outras. A Disney, por exemplo, já passou essa tesoura.
A preocupação é quando esses cortes começam a atingir áreas relevantes. Se a Ellison e parceiros querem manter o sonho do Paramount+ vivo, eles precisam investir em conteúdo de qualidade e relevante. Se o serviço não tiver diferenciais, é realmente melhor desistir de tudo e vender a plataforma ou buscar uma joint venture com concorrentes.
O exemplo de como não fazer está na união entre Warner Bros. e Discovery. O novo CEO da concorrente, David Zaslav, efetuou uma grande onda de cortes e acabou por diminuir o próprio valor da companhia. Desde o anúncio da fusão, a WBD já perdeu 70% de seu preço de mercado.
Agora, de acordo com o Financial Times, Zaslav está estudando dividir novamente o conglomerado, colocando o streaming Max e a Warner Bros. Pictures em uma empresa separada. Tudo para conter esse naufrágio.
Neste momento, David Ellison está torcendo para ter apenas uma coisa em comum com o colega da Warner: o primeiro nome.
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