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Em tempos de Olimpíada, Netflix diz que quer apenas o 'filé' dos esportes

A cobertura esportiva ao vivo é jornalismo ou entretenimento? Em tempos de Jogos Olímpicos, a Netflix está deixando claro que vê esse tipo de conteúdo como uma diversão para as massas. Mais do que isso: a gigante do streaming diz que quer apenas o melhor dos eventos. Nada de longas temporadas completas, com a empresa indo em busca apenas de poucas (e boas) partidas.

As declarações vieram em julho, após a divulgação dos resultados financeiros da companhia no segundo trimestre deste ano. Durante uma entrevista com perguntas feitas por investidores, Ted Sarandos, co-CEO da Netflix, foi questionado sobre os recentes movimentos para o licenciamento de transmissões do tipo. Em maio, a plataforma anunciou que terá dois jogos da NFL (o campeonato de futebol americano) em cada um dos anos de 2024, 2025 e 2026.

Sarandos explicou: "Não [estamos] necessariamente assumindo uma grande quantidade de conteúdo de uma única liga, mas transformando essas transmissões em eventos - como ter duas partidas da NFL no Dia de Natal. [...] Ambos serão ótimos jogos e realmente criam muita empolgação com o serviço, e é um dia de futebol".

O executivo afirmou que, na perspectiva deles, é "muito difícil ter esportes de grandes ligas e lucro quando você os oferece temporadas inteiras". Por isso, a ideia é "eventivizar" as transmissões.

Resumindo: querem algo mais parecido com ir ao cinema para ver "Vingadores", menos com o ato de ligar a TV quarta de noite para descobrir qual é o jogo da rodada.

Para colocar isso em prática, a Netflix está focando em oportunidades especiais - como os tais jogos de Natal. O pagamento total é bem menor, e eles podem aprender com a iniciativa sem ficarem presos a compromissos caros e de longa duração.

Ter esportes ao vivo é uma aposta cara. Envolve a aquisição dos direitos televisivos, que foram inflacionados nas últimas décadas. A Disney, por exemplo, paga US$ 2,7 bilhões (R$ 15,2 bilhões) para ter o futebol americano no canal aberto estadunidense ABC e na ESPN. Já a Amazon, em um pacote mais modesto, desembolsa US$ 1 bilhão (R$ 5,6 bilhões) para ter as partidas de quinta-feira à noite. Isso sem falar em toda a estrutura e equipe necessárias para manter esse conteúdo no ar por, ao menos, seis meses.

Simone Biles com o namorado, Jonathan Owens, durante jogo da NFL: modelo da Netflix mistura jogos importantes e séries documentais
Simone Biles com o namorado, Jonathan Owens, durante jogo da NFL: modelo da Netflix mistura jogos importantes e séries documentais Imagem: Divulgação/Netflix

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Enquanto isso, a Netflix terá que investir "apenas" US$ 150 milhões (R$ 847 milhões) anuais, de acordo com The Wall Street Journal. O valor por partida é mais alto, mas estamos falando também de um momento especial para as famílias norte-americanas, que se reúnem para confraternizar com um evento esportivo exibido na TV.

Para comparação, um blockbuster como "Agente Oculto", com Chris Evans e Ryan Reynolds, custou cerca de US$ 200 milhões (R$ 1,1 bilhão). No total, a Netflix afirma que gastará US$ 17 bilhões (R$ 96 bilhões) em conteúdo neste ano.

Em paralelo, o serviço continuará oferecendo um formato pelo qual já se tornou reconhecido: o das docusséries. São produções como "Drive to Survive", que abordam os bastidores das disputas e os transforma em drama. No mês passado, por exemplo, foi lançado "Receiver", que foca na temporada 2023 de alguns receptores da NFL.

A questão dos anúncios

Mesmo com um investimento mais "modesto", o streaming agora pode lidar com outro dilema que vem enfrentando: ampliar a base de assinantes que assistem a propagandas. Também em maio, a empresa divulgou que tinha 40 milhões de espectadores únicos na sua versão com anúncios. Um crescimento rápido, mas que ainda está longe de satisfazer as necessidades financeiras.

Coincidência ou não, o vice-presidente de publicidade, Peter Naylor, deixou o cargo em julho. É o segundo executivo de alto escalão da área a abandonar a companhia.

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Grandes eventos esportivos podem acelerar ainda mais esse avanço. Afinal, além das atrações ampliarem a base de assinaturas, podem incluir os anúncios de forma mais natural - até para aqueles que pagam para não vê-los.

Impacto nos esportes

Como vimos, o discurso tem bases financeiras, mas pode ter implicações no universo dos esportes, caso dê certo.

Os campeonatos são, em sua maioria, pensados para maximizar a exposição dos times e das ligas ao longo do ano. Temos, por exemplo, o modelo dos pontos corridos, que movimenta o nosso Brasileirão e os campeonatos europeus de futebol.

Mesmo nos Estados Unidos, a terra do mata-mata com enormes playoffs, jogam-se temporadas regulares longuíssimas. Um time da NBA, por exemplo, disputa nada menos que 82 partidas antes de chegar na fase final.

Os pacotes de televisão também são pensados nessa lógica, com canais e streamers recebendo jogos de diversos níveis de importância ao longo do ano.

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A posição da Netflix, de querer apenas o "filé", pode impactar nesse equilíbrio. Afinal, ela já modificou a forma como vemos filmes e séries, estimulando o não-linear, as maratonas e os lançamentos de temporadas inteiras em um dia só, entre outros pontos. É até difícil, neste momento, antecipar o impacto de uma "eventivização" esportiva em larga escala a partir de um gigante que está presente em 277 milhões de lares de todo o mundo.

A ganância pode afetar fortemente as próprias federações, confederações e ligas. Por que não criar ofertas exclusivas com os melhores jogos para a Netflix e seus concorrentes? Ou modificar os formatos de disputa para privilegiar os grandes eventos? Talvez até investir em campeonatos de tiro curto, mais parecidos com as Olimpíadas e a Copa do Mundo?

As opções são tentadoras, mas podem ter implicações - como enfraquecer o restante da temporada regular, aumentar o desequilíbrio entre times ou até mesmo desvalorizar o interesse pelos pacotes anuais.

No entanto, uma característica que costuma faltar aos cartolas é justamente a visão de longo prazo.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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