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IA revivendo famosos que já morreram? Prática agora será regulada por lei

Nesta semana, perdemos um dos grandes nomes da história de Hollywood: James Earl Jones. Contudo, ele —famoso por personagens como Darth Vader e Mufasa, o pai do Rei Leão— continuará vivo. Não pela reprise de seus filmes, mas porque Jones cedeu, em 2022, os direitos para que sua voz possa ser "clonada" em novas produções com o uso de inteligência artificial.

Isso, no entanto, está deixando muita gente na indústria do cinema de cabelo em pé. Afinal, nada impediria que os estúdios continuem utilizando os atores do passado, mesmo após a morte. Por meio do uso de gravações antigas e com a mágica da IA, "zumbis digitais" podem surgir em novos longas-metragens, séries e até comerciais. E o pior: sem qualquer autorização ou remuneração dos herdeiros.

Isso já não é mais roteiro de ficção científica: em 2016, no longa-metragem "'Rogue One: Uma História Star Wars", tivemos a presença de Peter Cushing —que morreu em 1994. Na época, houve uma sobreposição das feições de Cushing sobre o rosto de um ator em cena, o que foi feito com o consentimento dos familiares. A tecnologia evoluiu bastante de lá pra cá, a ponto de qualquer um conseguir dar movimento para fotos de décadas atrás em qualquer serviço de IA grátis na internet.

Em agosto, o senado da Califórnia aprovou um projeto de lei que regulamenta essa prática. O texto, que teve o apoio do sindicato dos atores de Hollywood (o SAG-AFTRA), permite que os familiares ou seu espólio mantenham o controle sobre a imagem do artista mesmo após a morte. O documento agora depende do governador Gavin Newsom para entrar em vigor.

A legislação é importante porque, ao assinar um contrato, os artistas cedem a sua imagem para serem usadas dentro de certos parâmetros. Dessa forma, os advogados dos estúdios poderiam usar brechas em acordos firmados muito antes do advento da IA para justificar a criação de réplicas digitais em novas produções sem as devidas autorizações e compensações financeiras.

No ano passado, o SAG-AFTRA paralisou as atividades de seus associados por quatro meses, o que afetou toda a indústria, para garantir que esses direitos fossem incorporados ao acordo coletivo da categoria. A formalização de leis sobre o assunto é uma segurança jurídica ainda maior.

"Para aqueles que usariam réplicas digitais de artistas falecidos em filmes, programas de TV, videogames, audiolivros, gravações de som e muito mais, sem primeiro obter o consentimento dos espólios desses artistas, o Senado da Califórnia simplesmente disse não", afirmou a organização laboral em nota.

De acordo com advogada Fernanda Magalhães, sócia do escritório Kasznar Leonardos, isso é necessário porque o sistema jurídico dos EUA não possui uma legislação federal única para tratar de forma abrangente os chamados direitos de personalidade. "Naquele país, a proteção desses direitos é baseada em uma combinação de leis estaduais, jurisprudência e princípios de direito comum", explica.

A lei recentemente aprovada na Califórnia busca preencher uma lacuna legal sobre a proteção de direitos de personalidade daquele estado, estendendo essa proteção após a morte e permitindo que os herdeiros ou representantes legais controlem o uso comercial da imagem de figuras públicas. Fernanda Magalhães, especialista em direito de marketing e entretenimento

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Enquanto isso, no Brasil

Como em quase todo o mundo, a legislação relativa ao uso da IA ainda engatinha no nosso país. São inúmeros os projetos sobre o tema caminhando pelo Congresso brasileiro, partindo das mais diversas vertentes políticas.

Contudo, a legislação daqui é bem mais restritiva que a norte-americana, permitindo desde já um grau de proteção. É possível, por exemplo, que um artista registre ainda em vida como quer (ou se quer) o uso de suas feições e voz em réplicas digitais após a morte, cabendo aos filhos e netos colocarem essa proteção em prática.

"Nossa Constituição Federal estabelece o princípio da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Tal princípio é regulado pelo Código Civil que atrela a utilização da imagem ou outros traços da personalidade de uma pessoa para fins comerciais à autorização do retratado ou, no caso de pessoa falecida, de seus herdeiros", relata Fernanda Magalhães.

Ainda assim, a advogada vê possíveis exceções por conta de uma maior flexibilidade em relação ao uso não autorizado da representação de pessoas que são figuras públicas em obras audiovisuais —como, por exemplo, recriar uma personalidade histórica por meio da inteligência artificial. "Essa análise deve ser feita caso a caso de forma a se garantir que a liberdade criativa não infrinja os direitos fundamentais das pessoas envolvidas", diz.

Fernanda, todavia, diz acreditar que o passo dado nos EUA influencie a aprovação de leis mais específicas em outros lugares, inclusive no Brasil.

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Fonte de receita em vida

Com respaldo legal, artistas brasileiros e hollywoodianos podem até vender e receber em vida pelos direitos de réplica digital após a morte, como fez James Earl Jones. Trata-se de uma mudança na ordem natural das coisas, já que, normalmente, são os filhos e netos que usufruem da receita que continua a ser gerada após o falecimento do famoso.

Governador Tarkin, vivido por Peter Cushing, ator morto em 1994, foi recriado digitalmente para o filme "Rogue One: Uma História Star Wars", de 2016
Governador Tarkin, vivido por Peter Cushing, ator morto em 1994, foi recriado digitalmente para o filme "Rogue One: Uma História Star Wars", de 2016 Imagem: Reprodução/Disney

Em fevereiro, o dublador Wendel Bezerra —famoso como a voz de personagens como Bob Esponja e Goku, do anime "Dragon Ball", no Brasil— deixou no ar esse tipo de possibilidade em entrevista à coluna. "De repente, eu posso vender a minha voz para colocar no Bob Esponja pelos próximos 50 anos. Eu vou ganhar por isso e não vou gravar mais. Vou ter mais tempo para fazer outros trabalhos, outros projetos, ou viajar enquanto estou ganhando por ter vendido o uso da voz especificamente para o Bob Esponja", disse Wendel na época.

É provável que, com o tempo, iniciativas do tipo comecem a borrar a linha entre vida e morte no audiovisual, permitindo que personagens continuem vivos após o falecimento de seus intérpretes. Ou que músicas continuem a ser geradas décadas depois da passagem de um músico.

Se hoje a discussão é sobre legislação, no futuro poderá ser sobre a moralidade no uso dessas cópias virtuais. Será que é certo usar a imagem de alguém falecido há décadas para promover um produto em um comercial? Um ator poderá ser julgado por uma interpretação que ele nunca teve? A obra será digna do mesmo crédito? É justo com os novatos, que precisarão disputar espaço com estrelas de todos as épocas? E o público, vai conseguir diferenciar o que é ou não real?

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Para Fernando Meirelles, cineasta brasileiro com fama internacional por filmes como "Cidade de Deus", é necessário um selo que indique que a produção não tem trechos criados por IA, ou que informe a porcentagem do quanto foi gerado por meio de inteligência artificial. "Pessoalmente, não teria nenhum interesse em assistir a histórias criadas por IA, com atores digitais se passando por humanos, mas não devo ser a regra", contou em entrevista à coluna, no ano passado.

Isso poderá ser muito destrutivo se não agirmos rápido para controlar seu uso. Fernando Meirelles

Tudo isso para assegurar que situações embaraçosas, como a do famoso meme envolvendo a apresentadora Claudete Troiano mandando um beijo para a falecida atriz Leila Lopes, não se tornem práticas comuns no cotidiano do audiovisual brasileiro e internacional.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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