Guerra do streaming ganha 'versão brasileira' com Globo, SBT, Band e Record
Depois de décadas de disputa na velha TV, Globo, Record, SBT e Band finalmente se reencontram em uma nova arena: a do streaming. Com a chegada do +SBT, os principais grupos de comunicação responsáveis pelos quatro maiores canais de televisão aberta do Brasil agora têm seus próprios serviços de vídeo sob demanda. Em comum, todas essas iniciativas buscam atrair mais espectadores, ampliar fontes de receita e competir em um cenário de entretenimento já povoado por multinacionais e saturado de ofertas.
Entretanto, as semelhanças param por aí. Cada uma dessas plataformas adota um modelo de negócios distinto —sendo que duas delas, por exemplo, são totalmente gratuitas. Essa diversidade reflete não apenas as diferentes estratégias das emissoras, mas também os perfis variados de seus públicos.
Para o espectador, a notícia é que, com mais opções disponíveis, a batalha pelo seu tempo e atenção está apenas começando. A seguir, conheça as armas dessa disputa pelo seu interesse, em uma "versão brasileira" da guerra do streaming.
+SBT
Lançado em agosto, o +SBT se destaca por adotar o modelo FAST (Free Ad-Supported Streaming Television), que oferece conteúdo gratuito financiado por publicidade. O serviço conta com uma dezena de canais lineares, cada um dedicado a uma categoria de programação, além da transmissão ao vivo do próprio SBT. Para quem prefere mais flexibilidade, o +SBT também disponibiliza suas produções no formato sob demanda, como nos concorrentes.
Na época do lançamento, esta coluna de Splash trouxe uma cobertura detalhada. Desde então, expandiu seu catálogo, incluindo séries originais dedicadas às vidas de Hebe Camargo e Silvio Santos, além de títulos de parceiros externos.
O destaque, porém, acaba sendo a oportunidade de relembrar sucessos do passado, como Show do Milhão, Programa Silvio Santos e novelas como "Rebelde" e "Esmeralda". Em breve, contará com alguns episódios de "Chaves" e "Chapolin", dois clássicos. No geral, o SBT informa que são mais de 7.500 horas de vídeo.
"O conforto nostálgico é um dos nossos pilares e desempenha um papel significativo no sucesso dos nossos conteúdos no streaming", contou Carolina Gazal, diretora de Conteúdo Digital da emissora, em entrevista realizada em agosto.
O SBT não divulga o número exato de usuários, mas afirma que o +SBT "já atingiu resultados expressivos" e superou a meta inicialmente prevista para o final deste ano.
Bandplay
No Grupo Bandeirantes de Comunicação, a estratégia de streaming adotada é a do AVOD (Advertising Video on Demand), pela qual todo o catálogo é oferecido de forma gratuita e sob demanda, sendo financiado por publicidade. Esse formato é considerado uma versão anterior ao FAST, já que não inclui transmissões lineares. No entanto, Luciana Cardoso, head do Bandplay, adianta que o serviço deverá seguir os passos do +SBT em breve: "A experiência deles foi realmente bem-sucedida ao já começar com esses canais, mas em breve vamos lançar os nossos. Já estávamos neste planejamento", afirma.
Por ora, a única transmissão linear em vídeo é o sinal da própria Band, que acompanha as rádios do grupo. "É raro encontrar uma rádio tão forte como a BandNews FM disponível no mesmo aplicativo que transmite a programação de TV", destaca Luciana.
No Bandplay, os usuários podem conferir todos os programas da TV aberta, incluindo Perrengue e Sabadão da Gente. O jornalismo marca presença, com destaque para a cobertura das eleições de 2024. Embora a companhia não revele números, Luciana aponta que as transmissões esportivas ao vivo são o principal motor de audiência. "E estamos conseguindo atrair um público diferente [daquele que acompanha a emissora]", explica. Outro campeão de espectadores é o MasterChef. "O horário de pico costuma ser no dia seguinte, e não na noite de transmissão", revela.
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Quero receberAssim como seus concorrentes, o Bandplay inclui títulos licenciados que não são produções próprias do grupo, como séries, filmes, animações, novelas turcas e doramas (seriados sul-coreanos). São acordos de revenue share, em que os detentores dos direitos recebem uma porcentagem dos lucros gerados pela publicidade.
Luciana Cardoso esclarece que, apesar do formato AVOD, o grupo escolheu não veicular propagandas nas transmissões ao vivo da TV aberta e das rádios. "Mas temos a publicidade ocorrendo nos conteúdos de terceiros", afirma.
Temos estudado como começar a colocar mais publicidade, mas sem ser um exagero como temos visto em alguns outros players, como dois anúncios na sequência ou muito longos. Luciana Cardoso, do Bandplay
Além disso, o grupo recentemente lançou o Bandshop, um "shopping" online nos moldes do Mercado Livre, para ampliar suas fontes de receita. "Usamos os dados de consumo de conteúdo para oferecer produtos relevantes ao público por meio do nosso marketplace", explica a executiva.
Embora a Band não divulgue o número de usuários, Luciana afirma que o crescimento tem sido expressivo: "Estamos conseguindo atrair um público grande, fiel e que está satisfeito com a plataforma".
Globoplay
O Globoplay é o mais popular e reconhecido entre os quatro. Seu principal modelo de negócios segue o formato SVOD (Subscription Video on Demand), semelhante ao da Netflix. Por R$ 27,90 no plano mensal, os assinantes têm acesso ao conteúdo completo da TV Globo, incluindo telejornais, esportes e novelas, além de produções exclusivas ou com estreia antecipada. O serviço também oferece alguns canais lineares exclusivos em seu pacote básico.
Um dos maiores diferenciais do Globoplay é seu vasto catálogo, lotado de clássicos. Entre os títulos que marcaram gerações estão "Os Trapalhões", "Os Normais", "Toma Lá da Cá", "Escolinha do Professor Raimundo" e "O Sítio do Pica-Pau Amarelo". No gênero das novelas, o acervo inclui sucessos como "A Viagem", "Tieta", "O Clone" e "O Dono do Mundo".
"Novela é o gênero mais consumido e tem um espaço importante na composição do portfólio do Globoplay, com obras originais da TV Globo, atuais e de acervo, que fazem parte da história do país", conta Tiago Lessa, diretor de Marketing e Growth de Produtos Digitais e Canais Pagos.
Fomos os pioneiros na produção de novela original para o streaming, com 'Verdades Secretas 2', imprimindo um ritmo diferente à trama e com maior liberdade na condução de algumas temáticas, como a natureza do streaming permite. 'Todas a Flores' foi o original mais consumido da história do Globoplay e, no próximo ano, lançaremos 'Guerreiros do Sol', uma superprodução dos Estúdios Globo. Tiago Lessa, diretor da Globo
Outro diferencial da plataforma é a possibilidade de agregar assinaturas adicionais, como o Telecine, que oferece uma vasta biblioteca de filmes. Há também os Canais Globo, como GloboNews, Multishow e Sportv, e pacotes esportivos como o Premiere (futebol) e o Combate (lutas). Com essas opções, o valor da assinatura pode chegar a R$ 89,90. "O principal diferencial do Globoplay é a combinação de ofertas", destaca Lessa.
Para quem não quiser pagar, o Globoplay oferece alguns conteúdos gratuitamente, no formato AVOD, incluindo o sinal ao vivo da Globo e capítulos de títulos antigos.
No campo publicitário, a Globo oferece soluções que Lessa descreve como "menos intrusivas", como anúncios segmentados exibidos nos intervalos do sinal linear, durante a pausa de um programa ou enquanto o usuário maratona uma série.
O alcance do Globoplay impressiona: de acordo com Tiago Lessa, o serviço atinge 25 milhões de pessoas por mês, entre assinantes pagantes e usuários da parte gratuita. "[Somos] a segunda maior plataforma de streaming em consumo no país. Apenas no primeiro trimestre de 2024, registramos um bilhão de horas consumidas, um aumento de 48% em relação ao mesmo período de 2023", afirma o executivo.
PlayPlus
Na Record, a iniciativa de vídeo sob demanda atende pelo nome PlayPlus —uma escolha distinta entre as grandes emissoras, já que não deriva diretamente do nome do canal de TV. "Trabalhamos diferentes marcas dentro do grupo, além da Record. O nome PlayPlus, com a assinatura 'o streaming da Record', atende ao público fiel da emissora, ao mesmo tempo em que se conecta com outras audiências", esclarece Alarico Naves, superintendente comercial multiplataforma.
O PlayPlus adota um modelo híbrido, combinando AVOD e SVOD. Isso significa que uma parte das produções é oferecida gratuitamente, como o sinal ao vivo das emissoras próprias e afiliadas da Record, além dos episódios mais recentes de alguns programas. O restante do catálogo, porém, só está disponível para quem pagar uma mensalidade de R$ 18,90. Há opções com desconto nos planos semestral e anual.
Ao navegar, os usuários encontram toda a linha de shows da Record, como A Fazenda, Hora do Faro, Domingo Espetacular, além de telejornais, novelas e esportes, como o Campeonato Paulista de futebol. Por fim, há filmes e séries licenciados de parceiros como Sony e Endemol.
A Record pensa no licenciamento de forma 360 graus, ou seja, os conteúdos que estão na televisão, sejam próprios ou de terceiros, estão disponibilizados na plataforma. explica Alarico Naves, da Record
Segundo a empresa, o serviço oferece mais de mil títulos, com o futebol, as novelas e os realities liderando a audiência. Embora a Record não divulgue o número exato de assinantes, afirma que o aplicativo já ultrapassou a marca de 13 milhões de downloads.
Os usuários da versão gratuita do PlayPlus são impactados por publicidade, e o serviço insere anúncios dinâmicos e personalizados durante a retransmissão ao vivo, uma estratégia similar à do Globoplay. "Temos grandes marcas anunciando conosco, como Coca-Cola, Colgate-Palmolive, Betano e Aurora, além de uma eficiente operação de mídia programática", afirma Naves.
Entre os planos futuros, o grupo pretende lançar o RecordID, um sistema de login único que integrará os diversos serviços da empresa, facilitando o acesso dos usuários.
A "guerra" é em âmbito global
Um ponto em comum em todas essas estratégias é que os quatro grupos visualizaram o streaming como uma audiência complementar a TV aberta, que ainda tem um alcance e uma facilidade de acesso inigualáveis. Porém, o digital traz um nível de customização maior —seja para o usuário escolher o quê, quando e como quer assistir, mas também para o anunciante segmentar exatamente com quem quer falar.
Com a multiplicação das opções de vídeo sob demanda no Brasil, o cenário audiovisual nacional está passando por uma grande transformação. A presença dos gigantes da TV aberta na disputa pelo público digital reflete uma adaptação necessária frente ao crescimento das plataformas internacionais, que estão pulverizando a audiência.
Agora, o sucesso desses streamings tupiniquins dependerá de sua capacidade de inovar, manter a relevância e conquistar a fidelidade do público, que agora tem mais poder e controle sobre o que, como e quando assistir, em qualquer tela. A disputa está apenas começando e o sucesso dos grupos nacionais não passa por uma simples vitória em um embate local, mas sim por uma atuação estratégica conjunta para enfrentar as gigantes estrangeiras —em uma lista que não inclui apenas Disney, Amazon e Netflix, mas também a Meta (dona do Facebook) e o TikTok.
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