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Netflix vence a guerra do streaming; 'mas a que preço?', provoca executivo

Depois de cerca de uma década de disputa entre Hollywood e grandes empresas de tecnologia, a chamada "Guerra do Streaming" acabou. A Netflix, pioneira do setor, é a vencedora. Como uma forma de declarar vitória dentro dos parâmetros que ela mesma estabeleceu, a companhia vai parar de divulgar o total de novos assinantes a partir de 2025.

"A questão é: valeu a pena vencer?", provoca Evan Shapiro, especialista em entretenimento que se autointitula "cartógrafo do universo de mídia" e ex-vice presidente da NBCUniversal, em entrevista para esta coluna. O comentário do executivo reforça uma visão compartilhada por muitos no mercado, que enxergam um alto custo —tanto financeiro quanto em termos de mudança no comportamento do público— para alcançar esse triunfo.

O que aconteceu

Na semana passada, a Netflix divulgou seu mais recente balanço financeiro trimestral. No documento, a plataforma afirma que alcançou 282 milhões de assinantes em todo o mundo, um crescimento de cerca de 5 milhões em relação ao relatório anterior.

O número é superior a todos os concorrentes, em termos globais. Disney+ e Hulu, somados, têm 203 milhões de assinantes. Eles são seguidos por Max (103 milhões) e Paramount+ (71 milhões). A Amazon não divulga informações exatas, mas afirma que o Prime Video tem "mais de 200 milhões de espectadores mensais".

A divulgação desses dados, no entanto, está com os dias contados. A Netflix já informou que, a partir do ano fiscal de 2025, não publicará mais o total de assinantes. "Vamos focar engajamento porque acreditamos que é o melhor indicador da satisfação dos membros", disse o co-CEO da empresa, Ted Sarandos, em abril.

Além disso, o streaming quer que os investidores prestem mais atenção no lado financeiro. Neste terceiro trimestre de 2024, a companhia informou um crescimento de 15% na receita, chegando a US$ 9,8 bilhões (R$ 56 bilhões, na cotação atual). No mesmo período, o resultado líquido —que é o valor que sobra após a dedução de todas as despesas— foi de US$ 2,3 bilhões (R$ 13,2 bilhões), 40% maior do que foi registrado há um ano.

Declarando vitória

Nas entrelinhas, a Netflix está "cantando vitória" de um embate que ela mesma começou. Desde os seus primórdios, a empresa fundada por Reed Hastings divulgou trimestralmente o seu crescimento no número de assinaturas, encantando os acionistas com um avanço rápido e tirando o foco de um relatório financeiro que estava no vermelho.

O movimento fez com que gigantes de Hollywood e do Vale do Silício entrassem no streaming e buscassem a mesma métrica. Dessa forma, todos passaram a investir de maneira desenfreada na produção de filmes, séries e reality shows. O teto veio em 2022, quando a pioneira do setor registrou uma queda de membros pagantes —e fez com que mercado passasse a duvidar do vídeo sob demanda enquanto negócio.

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Para ser honesto, não acho que Wall Street entenda muito de mídia. Eles criam métricas novas e quase arbitrárias para o sucesso —eles são os culpados pela corrida pela escala acima de tudo. Então, de repente, eles mudaram as balizas em 2022, e tem sido uma correria desde então. Evan Shapiro, ex-vice presidente sênior da NBCUniversal

Foi nesse momento que a Netflix lançou dois projetos, ambos já colocados em prática: a da cobrança pelo compartilhamento de senhas e a introdução de anúncios em um novo plano, mais barato. A companhia voltou a crescer desde então.

A plataforma quer "sair por cima" enquanto ainda está no azul. A ampliação da base de espectadores está diminuindo de ritmo e um exemplo é a América Latina. Na nossa região, já houve uma queda de 70 mil membros pagantes no último trimestre. Por aqui, são cerca de 49 milhões de assinaturas.

"Eles esgotaram a base de usuários para converter a partir do compartilhamento de senhas. Isso os ajudou a ter um grande 2024, mas acabou a movimentação dessa reserva de usuários. O crescimento de agora em diante será lento —e eles até começarão a perder assinantes por conta da rotatividade", afirma Evan Shapiro. O especialista também aposta que a próxima a seguir o mesmo movimento será a Disney.

Uma nova guerra está começando

Segundo Shapiro, o próximo embate é a "guerra de anúncios". Após a Netflix, outros concorrentes, como Disney, Warner Bros. Discovery, Paramount e Amazon, criaram ou anunciaram planos de criar intervalos publicitários em seus streamings. No caso do Prime Video, a mudança foi mais brusca: todos assistirão a propagandas a não ser que paguem um valor a mais.

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O objetivo, no final do dia, é um só: trocar o aumento desenfreado de assinantes por um faturamento maior, em parte vindo dos anunciantes.

Contudo, este é um jogo diferente. "A Netflix não chega realmente armada para essa luta [por não ter um histórico com vendas publicitárias]. Por outro lado, a Disney está bem posicionada com o Hulu. Mas, no final das contas, o vencedor dessa nova guerra já é o YouTube", frisa o especialista.

De acordo com o balanço mais recente do Google, a plataforma de vídeos do grupo registrou uma receita de quase US$ 9 bilhões (R$ 51 bilhões) no terceiro trimestre deste ano, com um crescimento de 12% —superando as expectativas dos analistas e muito próximo da receita total da Netflix no mesmo período.

Ted Sarandos, co-CEO da Netflix, ao lado de Sabrina Sato no set de 'Reality Z'
Ted Sarandos, co-CEO da Netflix, ao lado de Sabrina Sato no set de 'Reality Z' Imagem: Suzanna Tierie / Netflix

"A publicidade crescerá lentamente nos próximos anos, [mas] estamos felizes em ver como ela está indo. Temos atualmente cerca de 40 milhões de usuários no plano com anúncios agora, crescendo bem rápido", afirmou Ted Sarandos em uma recente entrevista para The Wall Street Journal.

A era da consolidação vem em seguida

Para Shapiro, essa "guerra pela publicidade" não irá durar muito. Ele afirma que uma "Era das Fusões" está no horizonte.

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A consolidação virá em breve, com a Paramount e a Warner Bros. Discovery sendo as primeiras a ver as suas sortes mudarem. As grandes empresas de tecnologia vão surgir no topo —Google e Amazon especificamente. Mas este será um cenário totalmente novo, que vai muito além do vídeo. Evan Shapiro

A Netflix também pode ter problemas dentro dessa nova realidade. Para alguns analistas ouvidos pela Bloomberg, o valor das ações da companhia está supervalorizado. Hoje, a empresa vale US$ 324 bilhões (R$ 1,8 trilhão). Para comparação, a Disney —que tem estúdios de cinema, parques, estações de TV, rádios, etc.— tem o valor de US$ 174 bilhões (R$ 1 trilhão). Já a Comcast, que é dona da NBCUniversal e fatura mais, tem capitalização de US$ 163 bilhões (R$ 940 bilhões).

Uma desvalorização da Netflix pode vir no médio ou longo prazo, o que diminuiria a capacidade da pioneira do streaming em adquirir rivais, ou abrir a oportunidade para ser adquirida por algum outro grande grupo.

O cenário também vai mudar para o espectador. Evan Shapiro acredita que o volume de anúncios deve aumentar ainda mais, com um forte foco no varejo com o "clique para comprar". Além disso, a inflação nos preços deve levar uma parcela dos usuários para a pirataria ou adotar outras estratégias para conter despesas. "As pessoas vão revezar entre os serviços. Além disso, a ascensão do grátis — como a Tubi [ou Pluto TV] — vai continuar."

Nem tudo é negativo: o executivo crê que essa movimentação abre espaço para o crescimento de streamings locais —como o Globoplay. "Acredito que os players regionais têm a chance de preencher uma lacuna que será criada pelas plataformas americanas que estão recuando em conteúdo, especialmente em coproduções."

Como disse o ex-primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain, "na guerra, seja qual for o lado que se declare vitorioso, não há vencedores; todos são perdedores". Mas talvez seja melhor citar o escritor norte-americano E.E. Knight: "Não há vencedores na batalha. Apenas sobreviventes".

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