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O caminho do Brasil ao Oscar: o que falta para 'Ainda Estou Aqui' vencer?

Fernanda Torres e "Ainda Estou Aqui", totalmente indicados ao Oscar. Um feito histórico, com a produção brasileira aparecendo em três categorias da maior premiação do cinema mundial —incluindo a de melhor filme. Também é o ápice de uma campanha árdua, que é, mais do que tudo, um trabalho de relações públicas que envolve angariar os votos das grandes estrelas (e de muitos desconhecidos) de Hollywood.

Afinal, você sabe como funciona o processo de indicação e de que forma isso pode influenciar as chances do longa-metragem dirigido por Walter Salles?

Conhecido oficialmente como Academy Awards, o Oscar é realizado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (identificada pela sigla AMPAS, em inglês). Fundada em 1927 pelos profissionais de Hollywood, a organização surgiu para, entre outros objetivos, desenvolver a imagem de uma indústria ainda recente. Isso incluía a criação de um prêmio que identificasse os melhores de cada ano na sétima arte. A primeira entrega de estatuetas aconteceu em 1929, há quase 96 anos.

Justamente por essa origem, o Academy Awards não é como um festival de cinema ou até mesmo os desfiles das escolas de samba em nosso Carnaval. Não há um corpo de jurados para definir os melhores do ano, mas, sim, todos os integrantes da Academia. Hoje, são quase 10 mil membros com direito a voto, incluindo gente como Steven Spielberg, Tom Cruise e Ben Affleck. Garantir uma indicação exige um grande esforço de campanha.

No caso de "Ainda Estou Aqui", o trabalho começou muito antes da estreia. A produção brasileira foi selecionada para a mostra competitiva do Festival de Veneza, um dos mais prestigiados e que ocorreu no início de setembro, começando a ganhar a atenção da indústria. "O Brutalista" e "Babygirl", também indicados ao Oscar, passaram pelo mesmo evento italiano.

No Festival de Veneza, 'Ainda Estou Aqui' levou o prêmio de melhor roteiro
No Festival de Veneza, 'Ainda Estou Aqui' levou o prêmio de melhor roteiro Imagem: Divulgação/Sony Pictures Classics

Outro festival importante nessa trajetória é o de Toronto, também em setembro. O TIFF, como é conhecido, é um termômetro para o que vem a seguir, reunindo longas-metragens que tiveram destaque nas mostras europeias. Neste ano, "Ainda Estou Aqui" também marcou presença por lá.

Entrando na disputa do Oscar

Com a primeira etapa concluída, é hora de se qualificar para o Oscar. No caso da produção brasileira, foram dois caminhos. O primeiro é aquele que é o mais tradicional para longas em língua não inglesa que são de fora de Hollywood, que envolve a categoria de melhor filme internacional.

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"Cada país envia um representante", conta Felipe Haurelhuk, que é cineasta e especialista na premiação. "Cada país tem o seu processo específico de escolha. No Brasil durante muitos anos ficou a cargo do governo brasileiro, mas atualmente é feito pela Academia Brasileira de Cinema, que faz o processo seletivo e aí manda para a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas".

Neste ano, "Ainda Estou Aqui" foi o escolhido —e, após passar pelos trâmites da AMPAS, figurou na lista final de filmes internacionais aptos para serem votados pelos eleitores do Oscar.

Nas categorias principais, as regras são diferentes. Para ser elegível, o longa precisa ser exibido comercialmente em cinemas dos EUA, em pelo menos seis grandes mercados metropolitanos, com um número mínimo de sessões semanais em "horário nobre", até 31 de dezembro do ano anterior, explica Haurelhuk.

Aqui, o longa de Walter Salles contou com um parceiro importante: a Sony Pictures Classics, distribuidora norte-americana que cumpriu com os requisitos mínimos.

Garantindo os votos

Os integrantes da Academia são divididos em 19 ramos, de acordo com a área de atuação de cada um. Entre os títulos elegíveis, os integrantes de cada um desses grupos escolhem os cinco melhores para serem indicados. Todos também elegem os dez que vão competir pelo prêmio de melhor filme. Isso ocorre no começo de janeiro.

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Além disso, toda uma indústria se desenvolveu em torno do Academy Awards —o que hoje chamamos de Temporada de Premiações. Isso inclui o Globo de Ouro, no qual votam jornalistas de diversos lugares do mundo, às cerimônias dos sindicatos de Hollywood, como dos atores, diretores e produtores. Em alguns casos, parte dos eleitores são os mesmos. Em outros, são completamente diferentes.

Se colocar bem nessas premiações e em outros espaços é fundamental nesta corrida. "Pela primeira vez na história, temos uma equipe brasileira seguindo a cartilha como deve ser seguida para quem quer ter chances de ganhar um Oscar", exalta Haurelhuk, que mantém o canal Meu Tio Cinéfilo no YouTube.

O Walter Salles já passou por isso, a Fernanda Torres viu a mãe dela passar por isso, e eles estão fazendo tudo certinho: estabelecendo contatos, ativando eventos, falando com a imprensa, exibindo o filme para um monte de gente nos Estados Unidos que pode ser votante da Academia, participando de talk shows, entrevistas, festivais e assim por diante.
Felipe Haurelhuk, cineasta e especialista em Oscar

Agora, entramos na reta final. A eleição decisiva ocorrerá entre 11 e 18 de fevereiro, quando todos os membros da AMPAS votam em todas as categorias, independentemente de suas áreas de atuação.

Política em cena

Mais do que premiar a excelência no cinema, o Academy Awards também reflete o pensamento da indústria de Hollywood —que, nas últimas décadas, tem sido mais progressista. Não é raro que os membros usem seus votos para enviar mensagens políticas ou sociais.

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Essa mudança ficou ainda mais evidente após o movimento #OscarsSoWhite, que ganhou força em 2016. Desde então, a Academia ampliou a diversidade entre seus membros, convidando novos eleitores de diferentes origens e nacionalidades. Hoje, por exemplo, há 52 brasileiros na AMPAS, incluindo Walter Salles e Rodrigo Teixeira, respectivamente diretor e produtor de "Ainda Estou Aqui", além da mãe de Fernanda Torres, Fernanda Montenegro.

"A Academia passou por um processo de internacionalização forte e hoje o que os europeus pensam conta muito mais do que contava 15 anos atrás", analisa Haurelhuk. "Os filmes estão muito mais internacionais em suas temáticas". Em 2020, por exemplo, o grande vencedor da noite foi o sul-coreano "Parasita".

As chances de "Ainda Estou Aqui" no Oscar

"Emilia Pérez", musical sobre um ex-chefe de cartel do México que passa por transição de gênero está indicado em 13 categorias, concorrendo contra "Ainda Estou Aqui" pelas estatuetas de filmes internacional, melhor atriz e melhor filme. É o grande favorito do ano.

Contudo, a produção francesa enfrenta a acusação de ser uma exploração cultural de uma importante questão mexicana, envolvendo o narcotráfico, e pela forma como retrata a realidade transgênero. "As múltiplas indicações de 'Emilia Pérez' surpreenderam bastante a gente aqui no México", conta o jornalista e crítico Lalo Ortega.

Se a Academia realmente está fazendo um esforço consciente para ser mais inclusiva, como nos olhares sobre as narrativas que estão sendo contadas, acho importante que sejam premiadas propostas que, se não têm pelo menos um lugar de fala, ao menos levantem perguntas e demonstrem interesse genuíno em abordar questões relevantes. [...] Ficamos surpresos porque não enxergamos essa pegada no filme.
Lalo Ortega, jornalista e crítico de cinema mexicano

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Para Ortega, a imprensa internacional está começando a replicar essas críticas feitas na América Latina. "Vale a pena ficar de olho em como essas críticas poderiam afetar as possibilidades do filme vencer em todas as categorias nas quais está indicado", pondera.

Isso, claro, se a Sony e os produtores brasileiros conseguirem superar o grande investimento de marketing da Netflix —que distribui o filme francês nos EUA. Por outro lado, há um sentimento anti-streaming entre os membros mais tradicionais da AMPAS, o que pode ter um efeito contrário nesse cenário.

Já em melhor atriz, Fernanda Torres tem uma outra adversária. Por mais que Karla Sofía Gascón, de "Emilia Pérez", tenha feito história ao ser a primeira mulher trans indicada, quem surge como favorita é Demi Moore, por "A Substância".

Demi Moore é a estrela do filme 'A Substância', dirigido por Coralie Fargeat
Demi Moore é a estrela do filme 'A Substância', dirigido por Coralie Fargeat Imagem: Divulgação/MUBI

Neste caso, há um outro ponto que, historicamente, faz vencedores do Oscar: a narrativa de superação. A atriz foi vista como uma sex symbol nos anos 1990, estrelando longas como "Ghost: Do Outro Lado da Vida" e "Proposta Indecente". Depois de alguns anos com menor destaque, ela ressurgiu com um sucesso de crítica por sua atuação.

"Existe esse espírito de compensação, em alguns casos das pessoas grandes do cinema que deveriam ter sido premiados e nunca foram. Um exemplo muito bom é o do Leonardo DiCaprio, que é um dos melhores de sua geração e que venceu apenas em sua sexta indicação, que não é o melhor atuação da sua carreira", explica Felipe Haurelhuk.

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Uma chance, ainda que pequena, é o histórico desinteresse da Academia pelo gênero terror, justamente o de "A Substância". Contudo, Fernanda Torres não figura entre as indicadas dos prêmios do sindicato dos atores e da crítica, o que a tirará dos holofotes e dos tapetes vermelhos.

Na categoria de melhor filme, as chances de "Ainda Estou Aqui" são reduzidas, segundo analistas. "Emilia Pérez", "Conclave", "Anora" e "O Brutalista" aparecem como favoritos, mas ainda há margem para surpresas. O modelo de votação preferencial, usado nessa categoria, pode favorecer filmes menos polarizantes e que consigam um consenso entre os eleitores —especialmente em um cenário dividido, como é o de 2025.

Afinal, a esperança é a última que morre.

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8 comentários

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Juliano Augusto Pedroso Marcelino

Quando não sabiam dos indicados, diziam que Pamela Anderson, Kate Winslet, Angelina Jolie, Nicole Kidman......teriam mais chances de ganharem o Oscar e nenhuma delas foram indicadas, portanto vamos esperar porque mesmo os críticos de plantão fazem apenas "especulações"! Brasil tem muitas chances e vamos torcer!

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Helio Hissao Shinsato

O Bozonariztão de Pinóquio logo levará o xeque-mate. Ele perdeu Torres (Anderson), ‘cavalos’ e peões. O Brasil, por outro lado, segue firme e forte com Torres (Fernanda)!!! E o Oscar vai para o... São Paulo FC! É claro que a expectativa é por outro ‘Oscar’, mas os seres civilizados já celebram o Brasil que ainda está aqui, e que projeta uma ótima imagem para o mundo. O nosso soft power só aumenta.

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Maria Paula Adelaide Becato

O que falta para "Ainda Estou Aqui" vencer o Oscar de melhor filme? Do ponto de vista de campanha não tenho ideia, talvez os promotores sejam bem sucedidos, mas do ponto de vista de qualidade exclusivamente cinematográfica teria que ter ser melhor p.ex. que "Conclave".

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