"Biografia" de D. Pedro II escrita por Machado de Assis é só puxa-saquismo

Há poucos dias, fez barulho a notícia de que a Cristina Garcia Teixeira, doutoranda em História na Universidade Federal de Santa Catarina, descobriu em sua pesquisa de mestrado uma biografia de Dom Pedro II escrita por Machado de Assis. Apesar de a pesquisadora ter defendido sua dissertação em 2016, agora que o achado chegou ao conhecimento do grande público.

Vi gente bastante empolgada com o feito de Cristina. Amigos se disseram ansiosos para ler a biografia do último imperador brasileiro escrita por um dos maiores gênios da língua portuguesa. Sinto ser o estraga prazeres, mas é melhor baixar as expectativas. O texto não passa de algumas informações objetivas acompanhadas de muita puxação de saco e vista grossa para questões mais complexas. Sequer se trata exatamente de uma biografia, diga-se.

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"D. Pedro II. (Esboço Biográfico)" foi publicado de forma anônima na edição de 6 de novembro de 1859 de "O Espelho: Revista de Literatura, Moda, Indústria e Artes". Traços do estilo e informações sobre a colaboração do autor para a imprensa levaram Cristina a cravar que o artigo de duas páginas e meia foi escrito por um jovem Machado. Então com 20 anos, o rapaz ainda estava longe de ser o homem que se transformaria na maior referência da literatura brasileira.

Cunhar a breve peça de "Esboço Biográfico" é mais preciso do que tratá-la como uma biografia. Também não há exagero se alguém optar por chamar o texto de esboço adulatório ou puxa-saquismo biográfico. Ao longo de 31 parágrafos, Machado pouco faz além de bajular o imperador. "Consideramos, pois, a vida de D. Pedro II como a vida de um homem, pela mão de Deus ou do destino collocado acima dos outros homens, para reinar e zelar os seus interesses", lemos (e aqui conservo a grafia da época).

Depois, o anônimo Machado se empolga com o suposto desenvolvimento moral do país sob o cetro de D. Pedro II e chega a compará-lo a Jesus Cristo pela forma como consolaria os sofredores. "O pobre, o desgraçado, seja nacional ou estrangeiro, sempre encontra no monarcha do Brasil um amigo que sente os seus padecimentos, procurando suavizá-los, já com palavras doces e sinceras, já com dinheiro". A escravidão, já então malvista em boa parte do mundo, é oportunamente ignorada.

Ao longo da hagiografia involuntária, sempre alinhada às ideias daquele que detinha o poder, o imperador é tratado como o homem responsável por colocar o Brasil nos eixos e endireitá-lo no caminho das maiores nações do planeta. O "ligeiro" artigo termina de forma enfadonha, com a enumeração de "differentes condecorações com que os soberanos estrangeiros tem mimoseado o imperador D. Pedro II, prestando assim um culto de respeito e estima as suas eminentes qualidades". Pelo menos "mimoseado"* é uma palavra muito boa.

Quer ler o que Machado de Assis escreveu sobre D. Pedro II? Fique à vontade. O caminho está aqui.

*Atualizado às 16h05 do dia 22/09/2020: a palavra correta é "mimoseado", não "mimoscado", como grafado anteriormente.

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