No Dia do Poeta, sete poemas para os nossos tempos tão estranhos e sombrios
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Em 20 de outubro de 1976 surgiu o Movimento Poético Nacional. Desde então, no país, a data marca o Dia do Poeta.
Para celebrar a data, menos discurso e mais poesia. Aqui, sete poemas que dialogam com o Brasil de 2020:
porto alegre, 2016
quando você viu na TV
aquelas pessoas em fila na chuva
a noite numa estrada
na fronteira de um país que não as deseja
.
e quando você viu as bombas
caírem sobre cidades distantes
com aquelas casas e ruas
tão sujas e tão diferentes
.
e quando você viu a polícia
na praça do país estrangeiro
partir para cima dos manifestantes
com bombas de gás lacrimogêneo
.
não pensou duas vezes
nem trocou o canal
e foi pegar comida
na geladeira
.
não reparou o que vinha
que era só uma questão de tempo
não interpretou como sinal a notícia
não precisou estocar mantimentos
.
agora a colher cai da boca
e o barulho de bomba é ali fora
e a polícia vai pra cima dos teus afetos
munida de espadas, sobre cavalos
.
Poema do livro "Canções de Atormentar", de Angélica Freitas (Companhia das Letras)
*
O Bolso ou a Vida
o mito é o nada que é tudo
o mito é o nada que é nada
o mito é um tudo que é nada
o mito é um tudo, quer tudo
.
o mito é um pouco, quer muito
o mito é um muito que é nada
o mito é um pouco que é nada
o mito é um muito sem muito
.
o médio quer muito com o mito
o mito quer média com o muito
o médio quer média com o mito
.
o médio é mito, que é média
o tudo que omito é o muito
da média do mito que é nada
.
Poema do livro "Previsão Para Ontem", de Henrique Rodrigues (Cousa).
*
Em tempos sombrios
De opressão mais sanguinária
A verdade anda pelo país
Com sapatos furados
Caminha em meio à perseguição.
.
O porrete diz: estão todos saciados
A pistola jura: ninguém morre de frio
Mas sete vezes escorraçado
O perseguido volta para os seus
E difunde a verdade.
.
Escorraçado da superfície
Aconselha sem trégua
O subterrâneo
.
Claro
Os quadros encolhem. Os mensageiros escaceam
Não é recolhida a mensagem.
Cai em esquecimento e ponto de encontro.
A tortura não faz as bocas se abrirem
Mas o assassínio as fecha.
.
Poema do livro "Poesia", de Bertolt Brecht (Perspectiva, tradução de André Vallias).
*
na palma da mão
a promessa de paz
e a iminência de guerra
.
a ânsia
o murro
e a própria sede
.
saliva de mel e cera quente
na pele navalha
.
o gozo e o escarro
.
o que se pensa
e o que nos escapa
.
a mão
o punho
o ferro
a falha
.
Poema do livro "Aquenda", de Luna Vitrolira (Livre/ Edith)
*
Apunhalam o porco.
Antes de matá-lo
já lhe chamavam janta.
Quando o animal
deixa de guinchar,
abro os olhos.
.
Pergunto sobre seu comportamento.
Hábeis para a carne,
os homens,
não me respondem.
.
Levam aos pedaços ao fogo
e logo oferecem,
remediando com algo que não pedi.
.
De agora em diante
devo aumentar minha vigilância
para que eu não faça o mesmo.
.
Poema do livro "Cesto de Tranças", de Natalia Litvinova (Moinhos, tradução de Ellen Maria Vasconcellos)
*
Queridos dias difíceis
Queridos dias difíceis,
acho que já deu - embora
.
eu considere prematuro
um definitivo adeus.
.
Querendo, voltem. Minha
casa é de vocês. Agora,
.
pensem bem se será mesmo
saudável nos testarmos em
.
novos convívios tão longos
(também não sou fácil) como
.
foi desta vez. Menos mal se
vierem em grupos - tantos,
.
em tais e tais períodos do mês.
Topam correr o risco? Vão resistir
.
até o fim? Podem vir, eu insisto.
Mas contem primeiro até três.
.
Poema do livro "Pesado Demais Para a Ventania", de Ricardo Aleixo (Todavia)
*
Último Brinde
Queiramos ou não
Temos apenas três alternativas:
O ontem, o presente e o amanhã.
.
E nem sequer três
Porque como diz o filósofo
O ontem é ontem
Pertence a nós apenas na memória:
A uma roda que já de desfolhou
Não se pode arrancar outra pétala.
.
As cartas por jogar
São somente duas:
O presente e o dia de amanhã.
.
E nem sequer duas
Porque é um fato bem estabelecido
Que o presente não existente
Senão na medida em que se torna passado
E já passou...,
como a juventude.
.
No fim das contas
Só nos resta mesmo o amanhã:
Eu ergo minha taça
A esse dia que não chega nunca
Mas que é o único
Do que realmente dispomos.
.
Poema do livro "Só Para Maiores de Cem Anos", de Nicanos Parra (34, tradução de Joana Barossi e Cide Piquet).
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