Gato maconheiro, urso pervertido e uma HQ para arrancar gargalhada
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O filósofo e crítico literário Terry Eagleton que elenca os diferentes dialetos do riso: cacarejar, cachinar, grunhir, berrar, rugir, gritar, arquejar, trovejar, zurrar, ganir, bramir, piar, gargalhar, bufar, uivar, guinchar. Também aponta: é possível "dar risadinhas, rir entredentes, em silêncio, sarcasticamente, nervosamente e assim por diante". Essa enumeração está em "Humor - O Papel Fundamental do Riso na Cultura", livro publicado há pouco por aqui pela Record, em tradução de Alessandra Bonrruquer. "O riso pode surgir em explosões, picos, tempestades, rajadas, ondulações ou torrentes, pode ser ensurdecedor, ressonante, fluido, serpeante ou lancinante", segue o autor.
Estou longe de ser uma pessoa risonha. Acho graça em poucos programas de humor e não suporto nada que tenha risadas de fundo, indicando o suposto momento em que também deveríamos rir. O mais comum é que reaja a gracejos com leves sorrisos ou uma mistura de risada e bufada estranha e pontual, que se forma na garganta e sai pelo nariz, enquanto as extremidades dos lábios se alongam um pouquinho. Apesar de sincero, é um gesto que em alguns casos soa como falso, sei disso.
Boas gargalhadas são raras por aqui. Normalmente nascem provocadas por situações reais e inesperadas, absurdos do cotidiano. Um vídeo com o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro grasnando durante depoimento no Senado, por exemplo, ainda rende bons momentos - se for mesmo montagem, como desconfio, por favor não avisem. Há pouco, um livro também me arrancou raras e bem-vindas gargalhadas. Cenas como um gato tendo ereção em hora imprópria durante seu primeiro dia de trabalho numa cafeteria e um urso que se acopla à máquina de fliperama para ter a genitália transformada em joystick pelos jogadores proporcionaram explosões e torrentes de risos.
As passagens sacanas, pornográficas, grotescas e algo escatológicas estão em "Mau Caminho", HQ de Simon Hanselmann que acaba de sair no Brasil pela Veneta (tradução de Diego Gerlach). Na história, acompanhamos uma bruxa depressiva e seu namorado, um gato maconheiro, procurando por formas de contornar a necessidade de trabalhar, enganar o governo e garantir algum trocado para a compra de drogas. No vai e vem de dias soturnos cheios de erva e outros tóxicos, também aparecem figuras como um lobisomem traficante e o tal urso pervertido.
Extravagâncias sexuais e doses cavalares de entorpecentes estão, aparentemente, no centro da vida dos personagens antropomorfos, cujas relações se constroem entre bongs, cervejas, brigas e afagos. Como já puderam perceber, trata-se de uma narrativa com humor que pode ser aviltante para alguns. Apesar da bela edição, não é dos livros mais recomendados para deixar numa mesa de centro da sala - a não ser que a (boa) ideia seja provocar desconforto em pessoas mais quadradas.
Os personagens de "Mau Caminho" nasceram em "Megg, Mogg & Owl", série criada pelo australiano Simon Hanselmann em 2012 para tirar um barato da clássica coleção de livros infantis "Meg & Mog", e já renderam a Simon prêmios em Angoulême e indicações ao Eisner. Em "Mau Caminho", aos poucos essas figuras carismáticas passam a protagonizar cenas carregadas de dramaticidade. Conforme nos aprofundamos principalmente na trajetória de Megg, a bruxa depressiva, e conhecemos seus dramas e desilusões, um tom melancólico e desesperançoso passa a dominar a narrativa. Daí o riso, quando vem, já passa a ser entredentes ou de nervoso.
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