Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Mas 'Torto Arado' é tudo isso mesmo?
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"Torto Arado" está na moda. Publicado pela Todavia, o romance de Itamar Vieira Junior já vendeu mais de 70 mil exemplares. Itamar foi o entrevistado do Roda Viva desta segunda-feira, marco importante para qualquer escritor. Pega bem posar com o livro para fotos e indicá-lo no Instagram. Sim, a obra também virou meme. Na crítica, são muitos os elogios para o romance que conta a história de duas irmãs que crescem na Chapada Diamantina. A narrativa, que passa por temas como servidão, luta pela terra e educação, foi projetada após vencer o prêmio Leya, em Portugal, e consagrada no final de 2020 com os troféus do Jabuti - na categoria Romance Literário - e do Oceanos.
Certa vez, enquanto era técnico de um São Paulo que já não ganhava coisa alguma, Muricy Ramalho falou sobre os "azedinhos". Ele se referia a pessoas que, não importa o que aconteça, arrumam um jeito de ficar de biquinho e nhenhenhém. O tipo também existe no mundo dos livros. Alguns azedinhos andam pegando no pé de "Torto Arado". Tripudiam de quem lê o romance, parecem seguir a lógica do "se tem tanta gente gostando, não deve prestar". É tosco? É tosco. Mas, até aí, direito de cada um.
O duro é quando o azedinho é profissional. Incompreensível que pessoas que trabalham com literatura torçam o nariz para o sucesso de Itamar. Num raríssimo momento em que um escritor brasileiro ganha projeção graças ao livro escrito, não por qualquer fator extraliterário, e, de alguma forma, consegue chamar a atenção de um público mais amplo para a boa literatura que vem sendo produzida no país, há quem tente fingir ceticismo para disfarçar o ressentimento.
Certos críticos entraram na onda de menosprezar "Torto Arado" sem ler o livro, o que é ainda mais bizarro. É o mesmo tipo de intelectual que vomita: nada de novo presta, boa mesmo é a literatura já consagrada. São pessoas que se apoiam num discurso conservador para trilhar o caminho cômodo (e um tanto covarde) que é falar e escrever a respeito do que já foi estudado, interpretado e legitimado por certas instâncias. Vivem sentados em pilhas de obras já dissecadas por centenas de outros leitores. Dizem amar Machado e Kafka, mas, fossem contemporâneos de algum desses, tratariam com desdém o defunto autor ou o cara que acorda transformado num inseto.
Escrevi sobre "Torto Arado" no começo do ano passado. Meses depois, fiz uma longa entrevista com o Itamar. Também integrei o júri de duas premiações (Jabuti e Oceanos) que consagraram o trabalho. Posso dizer que fiquei satisfeito com o resultado das distinções (o que não é uma platitude, acredite; em decisões coletivas, muitas vezes jurados também não conseguem compreender como certas obras são escolhidas pelos seus pares).
"Torto Arado" é um romance infalível e blindado de eventuais bordoadas? Longe disso. Críticas são tão possíveis quanto necessárias, sempre. A construção das vozes narrativas já levou seus petelecos, por exemplo. Também há quem defenda que uma preparação mais cuidadosa teria feito bem ao acabamento do texto. Mas a leitura é sim válida. Seja para virar mais um Tortoarete, para usar uma expressão que me fez gargalhar durante o Roda Viva, seja para depois dizer, com alguma propriedade, que o livro não é tudo isso.
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