Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Cruzada das Crianças: o bando que saiu da Europa para conquistar Jerusalém
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É interessante como as coisas caminham.
Conheci o trabalho de Theo Szczepanski numa edição da boa Jandique, finada revista literária de Curitiba. A capa que o artista assinou, com uma espécie de rosto demoníaco habitado por diversos outros personagens estranhos ou sinistros, me agradou pra caramba.
Fiquei de olho nas ilustrações de Theo. Pouco depois, ele fez uma vaquinha virtual para bancar uma história em quadrinho. No enredo, um assunto que me fascinou: a tal Cruzada das Crianças.
Em meio às cruzadas da Idade Média, ali por 1212, grupos de pequenos se organizaram em cantos que hoje pertencem à França e à Alemanha para cruzar a Europa e conquistar Jerusalém. Depois de diversos fracassos cristãos em conflitos contra muçulmanos, a ideia era que somente crianças puras poderiam tomar aquela terra sagrada para tantos. Bem? Se exércitos treinados se deram mal nessas empreitadas, imagine o que foi feito com a turba dos recém-desmamados. Quem não morreu ou se perdeu pelo caminho, virou escravo.
Essa foi a história que conheci depois de algumas pesquisas. Queria me aprofundar. Escrevi para um especialista em História Medieval. A ideia era escrever uma reportagem sobre o assunto. A resposta do estudioso, contudo, não foi nada animadora: Sou historiador. Não posso te ajudar pois trabalho com fatos, não com lendas. A Cruzada das Crianças nunca existiu.
Há algumas semanas chegou por aqui o "A Cruzada das Crianças", que a editora 34 acaba de publicar pela Fábula, coleção de histórias boas para serem lidas numa sentada. A breve narrativa foi escrita pelo francês Marcel Schwob e publicada originalmente em 1896. Essa edição que agora chega às livrarias traz um baita time no apoio: tradução de Milton Hatoum, ilustrações de Fidel Sclavo, orelha de Noemi Jaffe e prólogo de Jorge Luis Borges.
"Em certos livros do Indostão, lê-se que o universo não é outra coisa senão o sonho imóvel da divindade indivisa de cada homem; no fim do século 19, Marcel Schwob - criador, ator e espectador deste sonho - trata de sonhar de novo o que havia sonhado há muitos séculos, em solidões africanas e asiáticas: a história das crianças que desejam resgatar o sepulcro. Tenho certeza de que não consultou a ansiosa arqueologia de Flaubert; preferiu saturar-se de velhas páginas de Jacques de Vitry ou de Ernoul e entregar-se aos exercícios de imaginar e de eleger", escreve o argentino.
No texto do francês há oito relatos diferentes sobre a cruzada dos pequenos, encarada pela ótica de tipos comuns como um leproso ou um pobre clérigo e de autoridades como os papas Inocêncio III e Gregório IX. O miserável crê: "a finalidade de todas as coisas sagradas reside na alegria" e considera que o bando é formado por "crianças selvagens e ignorantes". Para Inocêncio, que clama a Deus para que não haja um massacre de inocentes, são mais de sete mil que abandonaram suas casas e "caminham na estrada carregando a cruz e o bordão, desarmadas e sem ter o que comer. São ignorantes que nos envergonham, pois desconhecem a verdadeira religião".
Não que algum deus tenha dado ouvidos para as súplicas de Inocêncio. Gregório depois clamará: "Oh, mar Mediterrâneo, devolva minhas crianças! Por que as levaste contigo?". Antes disso, outros relatos nos mostram a diversidade de culturas e as tensões presentes ao longo das margens do Mediterrâneo e o tormento que poderia ser aquele bando de famintinhos chegando repentinamente às cidades - na prática, a ideia de acolher quem está numa pior nunca fez grande sucesso, ainda mais dependendo da origem do claudicante.
Olho para o livro e penso na minha história por trás dessa história. Seja no plano físico, seja no campo da imaginação, uma passagem que perdura por tanto tempo de alguma forma existe e faz parte da nossa grande história.
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