Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
De novo! Governo usa dados capengas para defender impostos sobre livros
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Agora é a Receita Federal que vem com o papo de enfiar impostos nos livros. Em um novo documento com perguntas e respostas sobre o projeto para juntar PIS e Cofins, o órgão alega que famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não-didáticos, enquanto as famílias com renda superior a dez salários mínimos, essas sim, gastam uma grana com obras não pensadas de cara para a pedagogia.
Essa justificativa para retirar a isenção tributária de livros "comuns" se apoia na Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2019, justificam, mas sem demonstrar os dados. Não por acaso, o movimento e o argumento coincidem com o que Paulo Guedes vem defendendo desde meados do ano passado, quando começou a empreitada para empurrar impostos para o setor editorial.
É um discurso que oscila entre a manipulação canhestra e a mentira, como já demonstrei numa coluna com dados da 5ª edição da Pesquisa Retratos da Leitura, levantamento dedicado a esmiuçar a relação do brasileiro com o livro. Aqui, os parágrafos mais importantes daquele artigo de setembro para o contexto de hoje:
Os dados, levantados pelo Ibope entre outubro de 2019 e janeiro deste ano, apontam: a maior parte dos leitores brasileiros se concentra na classe C, sendo que as classes D e E também apresentam números expressivos. Na comparação, 4% dos leitores de livros pertencem à classe A, 26% integram a classe B, 49% fazem parte da classe C e 21% estão nas classes D e E
Sigo o desfile com as informações que falam a língua de Paulo Guedes: o perfil de quem coloca a mão no bolso para comprar livros. A pesquisa apurou que 44,1 milhões de brasileiros têm o hábito de pagar por livros físicos e digitais. São eles os principais responsáveis por fazer girar a economia do setor. Desses 44,1 milhões de consumidores, 3 milhões pertencem à classe A, 14,3 milhões à classe B, 21,3 milhões à classe C e 5,6 milhões às classes D e E. Contrariando Guedes, a elite econômica talvez seja a fatia mais dispensável para que o mercado editorial volte a ter uma saúde minimamente razoável (classe B, apesar da sua SUV, você não é elite, tá!?)
Por conta do pretexto utilizado para meterem impostos sobre os livros, para este momento, esses são os dados mais relevantes apresentados pelo enorme e importante estudo. As informações, no entanto, trazem variações, não novidades. As pesquisas anteriores, publicadas em 2015 e 2011, já indicavam que a maior parte dos leitores brasileiros não se concentrava entre os mais abastados. Guedes não pode dizer que as novas estatísticas trouxeram uma reviravolta sobre o assunto, e até agora não o vi pedir desculpas ou apresentar justificativa razoável para o que afirmou.
Outros dados que têm a ver com o papo. Olhando para a renda familiar, a fatia que mais deixou de ler é a do povo que vive com mais de 10 salários mínimos, enquanto o pessoal que se vira com entre 2 e 5 salários mínimos foi o que menos largou mão da leitura. E o preço é fator decisivo para pelo menos 22% dos leitores brasileiros na hora de comprar um exemplar.
Num país que desde a sua Constituição busca, com apoio do Estado, construir uma comunidade de leitores, já severamente abalada com a suspensão ou drástica diminuição dos programas de incentivo à leitura, não cola onerar os livros com a desculpa furada de que é produto para rico.
Se por acaso o Estado tem dados em mãos que apontam nessa direção, ele que construa políticas públicas para reverter o cenário; acomodar-se com o quadro para tratar o livro como mais um objeto de consumo qualquer é ir contra o que prega a lei máxima brasileira. A função do governo deve ser diminuir abismos (culturais, educacionais, financeiros?) entre a população, não trabalhar aumentá-los.
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