Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Tensão sexual entre mãe e filho marca final da 'trilogia da paixão'
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"O último halo do sol faz uma espécie de giro, dá uma espécie de salto e quica entre os arbustos, o céu rebrilha na água e tudo volta a ser assombroso. Isso é amar, digo a mim mesma, e ele vem e me arranca a cabeça".
Ariana Harwicz é uma escritora que exige atenção, dedicação e disposição ao incômodo, ao desconforto, a seguir adiante mesmo quando a sensação é de completo desnorteio. Sua prosa turbulenta oscila entre o delírio, a fantasia e o plano real da narrativa. Em suas histórias encontramos personagens que vivem numa condição em que a moral está suspensa ou sendo a todo momento sufocada. Tormento, angústia e amor se misturam e colidem em pessoas cindidas entre a razão imposta e o desejo próprio. Desejo que atropela grandes tabus. O incesto é tema que ronda com frequência as páginas da escritora argentina.
Esses elementos já compunham "Morra, Amor" e "A Débil Mental", os dois primeiros volumes da chamada "trilogia da paixão". Estão presentes também em "Precoce", romance que encerra a série. O título foi lançado originalmente em 2016 e chega agora ao Brasil pela Instante (tradução de Francesca Angiolillo), mesma casa que publicou os outros livros de Ariana por aqui, ambos, com justiça, bem recebidos por crítica e público. (Aqui está o que escrevi sobre "Morra, Amor" e aqui está o que escrevi sobre "A Débil Mental").
Em um vilarejo um tanto distante dos grandes centros, uma mãe busca, de alguma forma, criar o filho já adolescente. Numa narrativa que viaja pelo tempo, o leitor acompanha diferentes momentos dessa relação conturbada, marcada pela miséria, pelas variações de humor e por um afeto que alterna entre o acolhedor, o possessivo e o destrutivo.
"Pode ser que eu lhe esteja provocando um retardo. Que haja lesões severas ou moderadas, me disseram senhora, senhora, está escutando, deixou-o cair do alto, do trocador, não da cadeirinha, dá no mesmo, nesta idade a moleira não está fechada", lemos num momento. "Somos dois a odiar tudo", temos em outro.
De cara, dois pássaros se alçam de uma árvore e, ao se estatelarem, se matam entre si. Linhas depois, quatro patas se lançam em queda livre e "o filho desce despencando pelos degraus. Tem sangue nos joelhos e me chama. Mamãe. Mamãe". São baques que dão o tom da relação que segue com amor, tropeços e ruínas, perturbada por uma tensão sexual crescente e resistindo às chateações da guarda local, da assistência social, dos profissionais da escola. Num outro plano, questões como a imigração, o trabalho ilegal, a crueldade do campo e o racismo que há numa Europa mais profunda também aparecem em "Precoce".
Os livros da trilogia da paixão compartilham estética semelhante, são ambientados em cenários parecidos e apresentam conflitos que dialogam entre si. Mas são histórias independentes, com personagens distintos, que se sustentam sozinhas e podem ser lidas em qualquer ordem.
Desde que recomendo enfaticamente Ariana, leitores me procuram para compartilhar suas experiências com a autora. Há quem, após iniciar a leitura, tenha preferido evitá-la neste momento de caos completo em nossas vidas. Compreendo, só torço para que deem uma outra oportunidade à argentina quando - e se - alguma calmaria mental voltar a existir. Ariana Harwicz merece ser lida com muita calma, atenção e disposição.
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