Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
A arte por uma causa e a leniência com o lado podre do ser humano
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"Queria ter finalizado o livro com um happy end, que, como diz o escritor Paco I. Taibo II, é a melhor invenção de Hollywood, mas não consegui. Não teria sido honesto. E a honestidade é uma forma de justiça com a geração de latino-americanos, protagonistas desta história, que, nos anos 1960 e 1970, com erros e acertos, tentaram libertar seu continente pela segunda vez. Com pouco sucesso, aparentemente, e com um custo pessoal e humano absurdo. No entanto, como em 1930 disse Antonio Machado, dos republicanos espanhóis, 'para os historiadores pode ser que tenhamos sido derrotados, mas, humanamente, nós ganhamos'".
Pesco as aspas do texto com explicações e agradecimentos que o quadrinista espanhol Ángel de la Calle colocou no final de seu "Pinturas de Guerra", livro de 2017 que acaba de chegar por aqui pela Veneta (tradução de Andréa Bruno). A citação condensa o que o leitor encontra ao longo das quase 300 páginas que, como indica o próprio autor, foram pensadas sob forte influência do argentino Julio Cortázar e o seu "O Jogo da Amarelinha".
O leitor pode encarar os cinco capítulos de "Pinturas de Guerra" pela ordem que preferir, mas sugiro que comece mesmo pelo primeiro. Numa mansão num bairro afastado do centro de Santiago, artistas confraternizam numa refinada festa. Entre um papo e outro, muitos parecem não se importar com as perseguições e desaparecimentos (inclusive de colegas) que acontecem na capital.
Não demora para que o leitor descubra que enquanto o regabofe rola num piso do casarão, alguns metros abaixo se escondem salas onde opositores da ditadura chilena são torturados. Baseado numa história real já retratada por nomes como Roberto Bolaño, é um início de rara força. Bolaño, aliás, é outro nome cuja obra ecoa ao longo das páginas do trabalho de Ángel; há algo de "Detetives Selvagens" no quadrinho, que tem o seu momento mexicano.
Apesar do começo no lado de cá do Atlântico, é na França, em Paris, que a maior parte de "Pinturas de Guerra" se desenrola. Na capital francesa que artistas uruguaios, chilenos e argentinos politicamente engajados e caçados pela ditadura de seus países encontram um cenário de efervescência intelectual, falcatruas e experimentações. Perambulamos pela cidade acompanhando um escritor espanhol que busca informações para escrever um livro sobre a atriz estadunidense Jean Seberg, perseguida pelos próprios compatriotas por conta de suas ações e posições políticas. É um símbolo do mundo ainda dividido.
"Pinturas de Guerra" é uma grande HQ sobre artistas que usaram o próprio trabalho na luta por justiça e igualdade, contra ditaduras. Pagaram um preço alto por isso, como sabemos, mas também deixaram suas marcas e ajudaram a expor muito da truculência, violência e ignorância de certa época.
Uma época que perdura. Como Ángel aponta, não é um quadrinho feliz. Pelo contrário. Ao se estender até o período pós-redemocratização chilena, a obra é também o retrato da conciliação que representou e representa uma leniência perigosa com o que há de mais podre no ser humano.
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