Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Quanto tempo devemos levar para ler um livro inteiro?
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Recebo um e-mail do professor Marcos Alvito com a seguinte pergunta: Quanto tempo leva para ler "Grande Sertão: Veredas"? Sei lá, penso.
De partida, Alvito constrói uma hipótese. Se a edição mais recente do livro tem 444 páginas e a pessoa costuma ler seis horas por dia numa velocidade média de sete páginas por hora, em pouco mais de dez dias e meio terá dado conta do clássico de Guimarães Rosa.
Longe de mim questionar os números propostos por Alvito. Cada leitor tem a sua disponibilidade e o seu ritmo para leitura, isso é inegociável. Ninguém deve se impressionar por exibicionistas de redes sociais nem cair em pataquadas como leitura dinâmica. A literatura anda no caminho contrário disso tudo. Só há uma única coisa que deve ser observada pelo bom leitor: respeitar a preguiça quando não há vontade alguma de ler, mas não se acomodar por muito tempo nesse marasmo.
Voltando ao ritmo de leitura, cada leitor tem a sua cadência e livros diferentes merecem dedicação diferente. Há sim as obras de 100 metros rasos, aqueles romances breves ou livros de contos que podemos ler numa sentada (não recomendo o mesmo com poesia; empilhar um poema sobre outro é a pior forma de curtir os versos). Há os livros que soam como provas de meia distância, que talvez a gente dê conta em três, quatro dias, uma semana. E há as maratonas.
Quando leio maratonas, costuma fazê-lo com bastante vagar. Um pouco por dia, sempre intercalando com leituras mais ligeiras. Recentemente encarei "Os Detetives Selvagens", um dos fundamentais de Roberto Bolaño. Levei quase um mês para dar conta das mais de 600 páginas. Minha aventura mais recente com "Dom Quixote" durou um tempo ainda maior. Aproveitei uma leitura coletiva feita via Twitter para me presentear com um capítulo por dia do monumento de Cervantes.
Mas achar que ler um grande livro se resume a percorrer suas páginas é ter uma visão tacanha da literatura. Alvito, que ministrará o curso "Lendo Grande Sertão: Veredas" a partir de setembro, sabe disso. No e-mail enviado, ele fala sobre o tempo que levamos para entender o livro e para que a gente seja, no sentido oposto, lido pelo livro.
Muitos livros se esgotam assim que chegamos à última página. Os grandes, no entanto, seguem a nos acompanhar. São leituras que fazemos e refazemos ao longo da vida, mesmo que não voltemos ao texto em si. São livros que estamos sempre revisitando mentalmente, sempre reinterpretando, ressignificando, acrescentando novas camadas de entendimento. Esses livros, de alguma forma, também nos escrevem. Ajudam a compor a confusão de ideias e sentimentos que marcam momentos importantes (ou ordinários, claro).
Quem me acompanha dessa forma há décadas é "Vidas Secas", especificamente pela cena da morte da cachorrinha Baleia, que foi para o mundo de preás gordos, enormes. Quase dois anos atrás, quando a minha Belinha foi para um mundo cheio de tomates-cereja, a cena de Baleia ecoou na minha cabeça durante semanas e me ajudou a elaborar aquele difícil momento. Agora, enquanto vejo animais em desespero, morrendo queimados num Brasil que pega fogo, também lembro da vira-lata de Fabiano e família para pensar nos bichinhos como seres com suas próprias individualidades, não meras unidades de determinadas espécies.
O tempo de leitura de Graciliano Ramos não tem nada a ver com o relógio ou o ritmo para terminar cada página. Minha leitura de Graciliano não se esgota. Mais do que isso, Graciliano é um cara que me lê e me escreve. Volto à pergunta: quanto tempo devemos levar para ler um livro inteiro? Alvito cogita que uma vida inteira pode ser necessária para completar a leitura de Rosa. Eu vou além: dependendo do livro, uma vida só não basta.
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