Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Qual é o melhor livro que você já leu?
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"Qual é o melhor livro que você já leu?"
Não me aflijo mais. Quando ouço essa pergunta, escolho uma história para contar.
Entre o final da escola e meados da faculdade, passei alguns anos caçando um exemplar de "Entre os Vândalos". Vivia em arquibancadas e o livro-reportagem com um quê de jornalismo gonzo escrito por Bill Buford sempre aparecia como bibliografia obrigatória para quem se interessava por torcidas. O livro sobre hooligans estava em tudo o que é lista, mas não o encontrava em nenhuma livraria ou sebo da cidade.
Namorei a obra durante tanto tempo que já até sabia mais ou menos o que esperar daquela imersão de Buford no universo cheio de cerveja e briga dos valentões ingleses. De porta em porta não conseguiria nada mesmo. Só fui descobrir o meu exemplar de "Entre os Vândalos" quando conheci a Estante Virtual. Lembro até hoje: o livro que ainda tenho bem guardado em casa, como relíquia que só tem valor para mim, veio de uma loja de Bauru.
Faço um drama aqui, estendo a narrativa em algum ponto ali e finalizo: pela busca, pelo modo como o livro se encaixou naquele momento da minha vida e pela qualidade do texto, "Entre os Vândalos" é um dos meus favoritos. A resposta costuma causar surpresa, o que contribui para que não notem (ou não demonstrem ter notado) o contorcionismo que fiz para fugir da pergunta.
O clássico sobre o hooliganismo é um dos livros da minha vida, mas está longe de ser um dos melhores que já li. Só para ficar na não ficção narrativa, Gay Talese, Joan Didion e Ryszard Kapuscinski são mestres que desbancam Buford. Em todo caso, costuma ser mais interessante falarmos sobre experiências íntimas do que entrarmos num debate frio e supostamente objetivo sobre quais filigranas fazem um grande livro ser maior do que outro grande livro.
Dependendo do momento, adoto estratégia semelhante, mas tomo outro caminho.
A primeira conversa que tive com a garota linda que viria a ser minha namorada e hoje é a minha esposa foi durante um churrasco. Meu estado era deplorável: descalço, pés encardidos, cartas na mão, língua inchada de tanto beber e tentativa de se comunicar via balbucios. Dois dias depois, numa tremenda coincidência, nos reencontramos no metrô. Ia para o trabalho enquanto ela pegava o caminho da faculdade de Letras. Ficou surpresa ao notar que aquele ser grotesco da noite anterior estava lendo "Dom Quixote". Não bastasse ser, aí sim, um dos melhores livros que já li, o clássico de Cervantes virou símbolo de um momento decisivo da minha vida. Não teria como não colocá-lo também entre meus livros favoritos.
Dificilmente alguém consideraria absurdo se eu dissesse taxativamente que a saga do cavaleiro da triste figura é a minha leitura insuperável. Até poderia encontrar muitos elementos para defender a escolha. Mas, honestamente, não sei dizer de forma objetiva e definitiva se "Dom Quixote" é melhor do que "Dom Casmurro", "Cem Anos de Solidão" ou "Crime e Castigo", isso para ficarmos apenas em alguns romances.
E não vejo isso como problema. Em que pese o valor e a importância dos prêmios, literatura tem muito mais a ver com identificação e afeto do que com competição e ranking. Não tem porquê criar rinhas entre monumentos que podem ser admirados por virtudes bem diferentes. Penso que muitos livros se tornam gigantescos primeiro porque há leitores que se apaixonam por eles, depois porque esses leitores começam a consolidar as virtudes e a construir argumentos para considerar o trabalho genial. Se a hipótese estiver correta, o deslumbramento precede a racionalização.
Daí que faz mais sentido falar em livros favoritos (algo assumidamente subjetivo, em constante movimento e, sim, plural) do que em melhor, o que pressuporia um rigor e uma metodologia que não necessariamente andam junto com a fruição da arte.
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