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Ferréz: o autor marginal e as 'babaquices' do meio literário
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Na 100ª edição do podcast da Página Cinco:
- Papo com Ferréz, que está para lançar "O Demônio de Frankfurt" (Comix Zone).
Alguns destaques do papo:
Após "Capão Pecado"
Eu ainda não senti essa facilidade de fazer um livro, ser publicado, ter um glamour e pronto. Não tive tempo mesmo. Não consigo ter descanso. Depois que publiquei "Capão Pecado", muitas editoras me recusaram. Todas elas falavam: "não, acho que você acertou a mão ali no 'Capão Pecado', é meio o seu autorretrato". E eu falava: "não, é ficção, é um romance".
Comida em casa
Troquei os meses que eu estava escrevendo o livro por adiantamentos que eram a compra da minha casa, porque eu não tinha como comer. Ou eu trabalhava fora ou eu escrevia o livro. A editora Objetiva mandava um salário para eu poder fazer as compras, continuar comendo.
Mercado
Quando o "Manual Prático do Ódio" começa a transitar e é traduzido para a Itália, Espanha, esses países, sinto que minha literatura vai ganhando legitimidade fora. Aí alguns críticos começam a ler a obra e a falar: "tem alguma coisa legal aqui". Mas nisso eu já tinha montado uma editora independente e estava vendendo meus livros pela rua de novo. Entendi que o mercado não iria dar espaço pra mim. Não sou um cara que está na Avenida Paulista. Estou no extremo sul da zona sul de São Paulo. Estou isolado da cidade como todo periférico está. Não estou tomando café com o cara da editora mais famosa... Não tenho elo de classe com esses caras.
Público
Sinto que achei meu lugar de fala. Consigo estar entre os meus com a minha editora pequena, o Selo Povo. É outro público, não é o mesmo da Objetiva, da Planeta. Quando vou para shows de rap, para comunidades, é outro público mesmo.
Outra visão
Pra mim, tudo é muito louco. Estou dentro de uma favela, do lado de um córrego, e daqui a pouco estou num hotel 5 estrelas, com os caras que sempre li comprando a obra no sebo. Pra mim é outra visão, outro deslumbre, outra coisa.
Essas babaquices
Isso eu vi muito nesse mercado. Pessoa no começo da palestra falando que não escreve livro pra ninguém, só pra ele mesmo. Essas babaquices que os caras falam: "Só escrevo pra mim", "É pro meu ego"... Não consigo ser assim, não. Por isso que o "Demônio" tem esse estranhamento, essas críticas.
Autor brasileiro
Eu não sou autor nacional, sou autor periférico. É outra coisa. Periferia é outro mundo, periferia não é Brasil. O Brasil não legitimou a periferia como nada, a não ser como mão de obra barata. Só descobri que era brasileiro quando fui para outros países e vi que os autores brasileiros nem brasileiros são. Porque eles falam em espanhol, não defendem a literatura brasileira... O cara que é rico quer ser autor do mundo, não autor brasileiro.
Universal?
Quando vem com esse papo de literatura universal é sempre de cima pra baixo. É sempre trazendo os ingleses, franceses, americanos. Nunca é trazendo a literatura do Congo, do Peru, do Brasil, da Argentina.
Amizade
É muito bom quando a gente tem uma amizade, uma companhia, em que você não tem que ser outra pessoa. Em que você não tem que interpretar, ficar fazendo joguinho... Cansa muito, na vida cotidiana que a gente tem, ter que se armar em várias situações. Na amizade, pelo menos, a gente ter que ser livre.
Literatura na periferia
Quando comecei, era muito complicado fazer uma literatura porque não tinha público. A gente tinha que formar o público... Hoje não. Qualquer lugar que você for tem um sarau, as pessoas fazem poesia, fazem literatura independente. Tem um circuito. A periferia era muito abandonada. Meus amigos falavam: "mano, eu não leio porque o único escritor que eu conheço é você".
A foto do Ferréz usada na arte do podcast foi feita por Keiny Andrade.
O áudio com o cachorro que me dá os parabéns é arte de Bigão.
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