Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Fernanda Montenegro: uma atriz na Academia Brasileira de Letras. E daí?
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A demora para entrar no tema é equivalente à preguiça que tenho com debates requentados. Muda a protagonista, mas os argumentos e resmungos são os mesmos. Como diversos leitores perguntaram o que penso da eleição de Fernanda Montenegro para a Academia Brasileira de Letras, deixo o registro.
Não costumo limitar a literatura, as letras, somente ao que é publicado em livros. A arte literária pode estar nos mais diferentes lugares. Como o mundo não gira conforme minhas ideias, vontades ou aborrecimentos, a polêmica defasada se recicla cada vez que algum não escritor ganha assento na instituição. Nem só de escritores se faz a ABL desde que nomes como Oswaldo Cruz, Santos Dumont e Barão do Rio Branco, este em 1898, tomaram posse de suas cadeiras. O debate é tão datado que chega a atacar a rinite.
"Muitos equívocos e meias mentiras circulam em torno da instituição. Criticam-na, por exemplo, por abrigar acadêmicos que não são literatos em sentido estrito. Ora, pautada pelo exemplo da Academia Francesa, a nossa optou por também acolher os chamados 'notáveis', expoentes em várias áreas do saber: diplomatas, juristas, cientistas. Machado de Assis e Joaquim Nabuco divergiram na questão, mas o ponto de vista de Nabuco - favorável a um conceito mais amplo de 'humanidades', em que as letras não tivessem exclusividade - acabou prevalecendo", escreveu o acadêmico Antonio Carlos Secchin num artigo publicado em 2016.
Dois anos depois, uma eleição para a ABL ganhou dimensão gigantesca. Conceição Evaristo, um dos principais nomes de nossa literatura contemporânea, candidatou-se a uma das cadeiras. Se eleita, seria a primeira escritora negra a tomar posse numa entidade historicamente dominada por homens brancos. Não rolou. A vaga ficou com o cineasta Cacá Diegues.
Na ocasião, muita gente descobriu como funciona a disputa por uma vaga na ABL. É um ritual de beija-mão cheio de tatibitates, convescotes e apadrinhamentos. Esta matéria de Mateus Campos e Paula Bianchi publicada pelo Intercept dá uma boa dimensão do que se passa nos bastidores. Para entrar na confraria, é fundamental cumprir certos protocolos que soam tão datados quanto o fardão que custa dezenas de milhares de reais exigido para um novo "imortal" em sua cerimônia de posse. A camaradagem e a cortesia nada desinteressada são decisivas num jogo que, convenhamos, tem a cara de muito do que acontece em salas fechadas pelo Brasil.
Também é sintomático que as atenções se voltem para a ABL quase que exclusivamente quando um novo membro é eleito para a Academia. Com exceção, talvez, de seus prêmios anuais, nenhuma outra ação da entidade parece causar tanto alvoroço. Ainda que alguns de seus integrantes sejam figuras bastante ativas nos debates públicos - Ignácio de Loyola Brandão, por exemplo -, a impressão que dá é que a casa fundada por Machado de Assis e seus camaradas em 1896 vive num mundo de formalidades e solenidades tão distante deste Brasil de 2021 quanto o hábito do chazinho vespertino numa cidade onde o termômetro costuma bater 40º .
Há quem diga que a cadeira de Fernanda deveria ter ficado com Conceição. Seria uma discussão válida caso a disputa tivesse ocorrido. Como a atriz foi a única a se candidatar para a vaga, não concorreu com ninguém.
Nesse mundo de pompas, tapinhas nas costas e, sim, espaços simbólicos em disputa, um ponto fundamental: Conceição Evaristo é mais importante para a literatura brasileira do que a ABL como instituição. Fernanda Montenegro também é mais importante para a arte brasileira do que qualquer clube de amigos. Ainda que a casa possa ter sua esmaecida relevância, integrá-la não aumenta ou diminui o trabalho e a obra de absolutamente ninguém. E é isso que realmente conta.
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