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'Roberto Carlos Outra Vez': Tiros, morte e o acidente com a perna
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Músicas de grande apelo popular, capazes de se transformar em baladas que marcam romances, em hits funerários e até em inspiração para nome de zagueiro brucutu. Músicas de autoria de compositores variados e consagradas por um artista moldado pelo rock, pela bossa nova e pelo brega que abarcava gêneros como o bolero e o tango. Esse é um resumo da "tal canção do Roberto", assunto que está no centro de "Roberto Carlos Outra Vez", novo livro de Paulo Cesar Araújo sobre o consagrado cantor.
Os nomes de Roberto Carlos e Paulo Cesar Araújo estão entrelaçados há tempos. Publicada em 2006, "Roberto Carlos em Detalhes", primeira biografia do jornalista sobre o músico, virou alvo do imbróglio jurídico que levou ao STF a discussão sobre a legitimidade de relatos biográficos não autorizados pelos biografados. Demorou, mas a liberdade de imprensa venceu. Agora, Paulo Cesar se debruça novamente sobre a trajetória de seu personagem para, com informações e histórias inéditas, entregar aos leitores mais um longo registro sobre a vida de Roberto.
Com foco no período que vai de 1941 a 1970, "Roberto Carlos Outra Vez" é o primeiro de dois volumes desse trabalho. De "O Divã" a "Jesus Cristo", cada um dos 50 capítulos é ancorado por uma canção diferente consagrada por Roberto. Orbitando pelas histórias por trás das letras e das gravações, Paulo César aos poucos apresenta ao leitor os traços que também compõem a trajetória do artista. Bem executada, é uma solução que dá um elogiável dinamismo a um gênero tantas vezes marcado por narrativas com estruturas engessadas demais.
Paulo Cesar vai bem ao se aproveitar de elementos das músicas de Roberto para mostrar como a vida serviu de base para muito do que levou para os discos. Assim, conforme o leitor tem contato bastidores de criações e o impacto provocado por diversas canções, também entende como se fez a estrela que nasceu em 1941 em Cachoeiro de Itapemirim (a cidade "vermelha"), começou a carreira num Brasil democrático e se tornou grande astro num país já sob o coturno de militares.
Episódio dos mais traumáticas da vida de Roberto, a perda de uma perna após acidente com um trem, quando tinha seis anos de idade, dialoga com a letra de "O Divã" ("Relembro bem a festa, o apito / E na multidão um grito, o sangue no linho branco"). Sobre a passagem o biógrafo registra:
"Várias pessoas logo cercaram o local, comentando que uma criança tinha sido atropelada e ficado presa debaixo do vagão. Os primeiros voluntários se movimentaram para socorrer a vítima. Quem seria? Uma pequena multidão foi se formando ali. A confirmação não demorou. 'É o Zunga, um menino que mora na rua da Biquinha.' Sua perna direita ficara imprensada sob as pesadas rodas de metal. A professora se retirou dali inconsolada, pois, na tentativa de proteger duas crianças, acabou provocando o acidente com uma delas".
Mais tarde, num momento de humor, Roberto Carlos, então também em ascensão no cinema nacional, faz graça com própria condição. Depois de um dublê cair de uma mureta, torcer o pé e começar a mancar, o artista dispara para todos por perto ouvirem: "Porra, bicho. Se for para mancar deixa que eu gravo a cena. Não precisa de dublê", o que arrancou gargalhadas de toda a equipe, conta Paulo César.
As portas fechadas do início da carreira, o trabalho que odiava enquanto tentava pavimentar o caminho artístico, os fracassos, os percalços e shows vazios estão presentes nessa primeira parte do livro de Paulo César. A importância de certos padrinhos, as porradas e exaltações da crítica, a relação com Erasmo Carlos e Wanderléa, os desencontros com Tim Maia, as amizades e rusgas com outros artistas de sucesso na época, muito do funcionamento da indústria fonográfica e a mais recente proteção da Globo à imagem do artista também aparecem no texto.
Bem como a paixão de Roberto por "carangos" e pela velocidade. "Eu gosto de correr, mas dirijo bem. Perdemos a roda numa curva, não tive a menor culpa. Sofri muito com a morte daquele amigo", relatou o artista após capotar um carro em 1964, acidente que vitimou o empresário Roberto de Oliveira.
Conforme o nome de Roberto Carlos crescia, a vida em público se tornava mais difícil. Não bastasse ter que lidar com o assédio, precisava tomar cuidado para não melindrar as fãs. Símbolo sexual, lia em revistas comentários do tipo "Como está engordando o cantor Roberto Carlos! Dessa maneira, aquela pinta de galã vai desaparecer, querido...". Alvo da inveja de homens, vez ou outra também se envolveu em confusões. São alguns os episódios de brigas que aparecem em "Roberto Carlos Outra Vez". Um deles é lembrado pelo também cantor Jerry Adriani:
"Era um caminhão enorme com uns caras de 42 metros, fortes, que começaram a nos agredir: 'Ô seus cabeludos, seus veados, saiam da frente.' Num trecho mais adiante, o caminhão encostou no Volks do artista, amassando o para-lama. 'Roberto ficou transtornado', lembrou Jerry. 'Ô Agrião, vamos lá arrebentar a cara deles, bicho. Bateram no meu carro, porra!' 'Deixa pra lá, Roberto', dizia Jerry Adriani, tentando acalmá-lo. 'Foi um custo para segurar Roberto. Ele queria sair para brigar com os caras na estrada'".
Em outro, após um show em São Paulo, Roberto estava estacionado em frente a uma farmácia na avenida São João quando foi cercado por rapazes que ameaçavam lhe dar uma surra. "Sem pestanejar, o ídolo da Jovem Guarda sacou uma Beretta 6.35 que trazia no porta-luvas, fazendo dois disparos para o alto. Os rapazes bateram em retirada, e o cantor também zarpou rapidamente dali. Porém, alguém avisou a polícia, e uma viatura foi ao encalço do Impala vermelho, alcançando Roberto Carlos na praça Roosevelt. O artista entregou a arma e justificou os tiros como um ato em legítima defesa", relata Paulo César.
Tijolo com quase mil páginas, "Roberto Carlos Outra Vez" se mostra, nesse volume inaugural, um livro para quem quer mesmo mergulhar na vida e em parte relevante da produção do cantor. O personagem singular, as boas histórias, a estrutura dinâmica e a prosa que flui muito bem fazem com que o título seja muito mais tranquilo de encarar do que podem supor os mais amedrontados pelo seu tamanho.
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