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REPORTAGEM

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Nélida Piñon: Não podemos permitir que a selvageria e a barbárie predominem

Colunista do UOL

17/12/2021 04h00

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Na 108ª edição do podcast da Página Cinco:

- Papo com Nélida Piñon, que celebra 60 anos de carreira.

Destaques do papo com Nélida:

Além do criar

A literatura não é só o ato de criar. Após a publicação você está sujeito a critérios muito malévolos, malignos, difíceis. E nem sempre você conta com a generosidade dos seus parceiros, do mundo literário, que tem seus lados magníficos e insidiosos.

Do autor para o leitor

A sensação que tenho é que você tem que extirpar tudo o que fez e pôs no livro. É como se o livro reverberasse dentro de você e quisesse lhe dizer: ainda há mais para dar. Então, você tem que pensar que é o leitor que vai complementar não o que você deixou em aberto, mas de propósito, para que o leitor tenha a capacidade de entender o seu livro de tal maneira e tão profundamente que vai levar o livro dentro dele.

Filhos do mundo arcaico

Nós somos filhos da ancestralidade. Nós somos filhos do mundo arcaico. Não existe um moderno que não esteja enlaçado, que não seja filho do arcaico. O arcaico nos persegue porque ele nos dá a dimensão do nosso passado, de quem nós fomos, de onde nós viemos.

Memória como imaginação

A memória está enlaçada com a criação, com a imaginação. A memória é, também, uma imaginação... Agora, a memória tem um mérito extraordinário. Para um ficcionista, a memória é de uma turbulência extraordinária. Ela trai. Ela não te dá o que você quer, porque tem outras intenções. Ela não é escrava da sua vontade. Ou seja, ela é independente. A serviço da criação literária, a memória é um reduto onde você pode, talvez, recolher subsídios para o que a criação precisa para seguir adiante.

Saberes selvagens

A imaginação não é um barril vazio, sem água, sem cerveja, sem vinho. Não é. A imaginação está impregnada de saberes, mas não são saberes institucionalizados, canônicos. São saberes selvagens... Não há imaginação que não seja "culta", de algum modo.

Gravetinho

O Gravetinho foi um ser fundamental na minha existência. Ele me deu educação afetiva em relação aos animais, sobretudo os cachorros. Ele tinha uma transcendência que me comovia. Eu atrasei a minha viagem para Portugal por causa dele. Ele era muito rebelde, não iria para o avião. E eu não iria colocá-lo nunca num porão. Então, só quando ele morreu subitamente, me deu um grande desgosto, eu disse: agora posso ir para Portugal.

Imposto para estátua do Miró

Eu vivi e vivo num país muito difícil. Não há uma ajuda, não há bolsa, não há nada. Eu ganhei o prêmio Príncipe de Astúrias. O prêmio é constituído de diploma, cheque e uma estátua do Miró. Quando eles mandaram para minha casa, não houve jeito, o governo brasileiro cobrou um imposto altíssimo. Meu Deus! Era uma honra para o Brasil que a escritora ganhasse um prêmio dessa natureza. Fui a primeira escritora de língua portuguesa a ganhar esse prêmio.

Pois bem, me cobraram um dinheirão por conta da estátua do Miró, que está na minha casa. Não trouxe para vendê-la. Faz parte do meu patrimônio literário, portanto, do meu país, não só meu. Quem ganhou comigo foi o Brasil. O Brasil é mais importante do que eu.

Livro contra a selvageria

A humanidade não pode dispensar o livro. O livro faz parte da civilização, da nossa maneira de traduzir o mundo. É onde está o repertório da nossa essência e do que nós somos. As bibliotecas são patrimônios universais. Mesmo quem não leu Heródoto é filho de Heródoto, é filho de Homero... Não seríamos quem nós somos sem o livro. E nós não podemos permitir que a selvageria e a barbárie predominem. Não podemos prescindir da cultura, e a cultura também está no livro.

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