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Brumadinho e a devastação em escala industrial: papo com Daniela Arbex
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Na 110ª edição do podcast da Página Cinco:
- Papo com Daniela Arbex, que acaba de lançar "Arrastados: Os Bastidores do Rompimento da Barragem de Brumadinho, o Maior Desastre Humanitário do Brasil" (Intrínseca).
Destaques do papo com Daniela:
Primeira ida a Brumadinho
Encontrei uma cidade não só destruída fisicamente, mas em choque. Pessoas que não estavam dando conta ainda de processar o tamanho da tragédia na qual tinham sido inseridas, colocadas. Essas pessoas estavam com muito medo de falar. Eram pessoas que, do dia para a noite, tinham perdido suas moradias, tinham perdido tudo, e dependiam financeiramente da Vale até para comer.
Desastre/ crime em curso
Eu falo que nesse livro tudo tem escala industrial: o tamanho da dor das pessoas, o tamanho da devastação, que é um desastre/ crime em curso. Brumadinho não começou em 25 de janeiro de 2019 nem terminou em 25 de janeiro de 2019... Basta dizer que, desde 2017, a Vale já tinha sido alertada reiteradamente do nível de instabilidade e do baixo fator de segurança dessa barragem, inclusive abaixo dos padrões aceitáveis no Brasil.
Bombeiros
Teve uma revelação de um comandante da operação durante a feitura do livro. Ele me disse assim: "Não podia deixar de pensar que todos os dias eu estava mandando meus homens para a morte". Isso é muito forte.
IML
Pra mim, a grande surpresa deste livro está dentro do IML. "Arrastados" joga luz sobre uma classe que ficou invisibilizada nesse processo e que teve um papel fundamental no resgate da dignidade dessas pessoas mesmo depois da morte, que era fazer de tudo para que fossem identificadas e o processo de luto pudesse ser iniciado.
Ponte para o coração do outro
Ao mesmo tempo que tinha todo o horror, tinha o privilégio que senti de estar ali como espectadora para contar aquilo. Eu vejo jornalismo como ponte para o coração do outro.
Iguais na morte
Nasce o título do livro quando, nessas entrevistas, descubro que as primeiras vítimas, e não só elas, não puderam ser identificadas pela cor da pele. Em função desse arrastamento, a camada superficial da pele que dá coloração aos corpos brancos e pretos tinha sofrido abrasão. O subcutâneo, que é branco, ficou exposto em todos os corpos. Os legistas, naquele momento, perceberam que não iriam conseguir identificar ninguém pela cor da pele. Percebi o simbolismo que essa imagem tinha. Estamos falando de uma sociedade com tanto racismo estrutural, de uma sociedade que tem todo um preconceito imposto por uma cultura de branquitude, e de repente essas pessoas ficaram iguais na morte.
Silêncio
Do alto escalão da Vale, nenhuma das pessoas quis falar para o livro. Todos os advogados foram gentis, foram informados previamente de que o livro estava sendo realizado. Procurei eles em setembro, para que tivessem bastante tempo para responder. Tinha interesse real em ouvi-los, mas nenhum se interessou em falar.
Qual é o valor?
O livro convida a gente a pensar esse modelo de negócio e esse modelo de país. Um modelo de país centrado no poder econômico, que prioriza absurdamente o produto, o negócio, o lucro, ao invés da vida humana. E o enredo é sempre o mesmo: é devastação, é morte. E me impressiona o fato de a empresa corresponsável pelo maior desastre ambiental do Brasil, em Mariana, responsável pelo maior desastre humanitário do Brasil, em Brumadinho, ter sido durante quase todo 2021 a empresa com o maior valor de mercado do Brasil... De que tipo de valor a gente está falando? Se a gente pensar que a Vale fecha as ações em 2019, no ano em que 272 vidas foram perdidas, valendo mais do que no início do ano, é de se questionar, realmente.
O mercado
Na verdade o mercado não está nem aí se essa empresa é violadora ou não. Desde ela dê lucro, ok.
A foto de Daniela Arbex usada na arte do episódio foi feita por Carmelita Lavorato.
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