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OPINIÃO

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'Qual é o sentido de morrer?' Caminhos para admirar Joan Didion

Joan Didion, autora de O Álbum Branco - Arquivo
Joan Didion, autora de O Álbum Branco Imagem: Arquivo

Colunista do UOL

07/02/2022 04h00

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Joan Didion nos deixou no último dia 23 de dezembro. Ela estava com 87 anos e sofria do Mal de Parkinson. Grande perda. Nos últimos tempos, até pela sucessão de mortes e lutos provocados pela pandemia, a estadunidense foi uma das escritoras mais lembradas da coluna. Poucos exploraram tão bem a potência da escrita de não ficção quanto Didion, especialmente em seus ensaios mais pessoais.

Aproveitei a passagem da escritora para ler o livro que me faltava dentre aqueles que estão em nossas livrarias: uma edição publicada no ano passado pela Harper Collins de "O Álbum Branco", com tradução de Camila Von Holdefer. Nele, grandes textos de Didion sobre os anos 1960 na costa oeste dos Estados Unidos. Panteras Negras, embates raciais, convulsões sociais, contestações, agitação cultural e luta por poder político fazem o caminho da escritora e jornalista.

Como em "Rastejando Até Belém", outro de Didion que apareceu há pouco por aqui, este pela Todavia, os textos de "O Álbum Branco" são centrados demais na realidade de um Estados Unidos de meio século atrás. Não por acaso, alguns dos momentos mais interessantes dos artigos divididos em cinco capítulos são aqueles em que a autora toca em questões que extrapolam bastante os limites de tempo e espaço. Falo de "O Movimento Feminista", de "Na Cama" (sobre suas constantes enxaquecas) ou do breve relato sobre a viagem a Bogotá, onde chegou "em um dia de 1973 em que as ruas pareciam banhadas pela névoa, pela luz delicada e brilhante e pela voz conhecida de Nelson Ned, um anão brasileiro cujos álbuns tocavam em todas as lojas de discos".

O Álbum Branco, livro de Joan Didion - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

É fácil notar a perspicácia de Didion quando nos deparamos com preciosidades como a que a autora ouve de um mórmon: "Se você não acredita que vai para o céu no próprio corpo, e mantendo laços próximos com todos os membros da família, então qual é o sentido de morrer?".

Didion sabia se locomover com discrição pelos lugares por onde passava para, a partir do que via, ouvia, sentia e pensava, entregar aos leitores muito das contradições caras ao assunto da vez. O ceticismo é uma das marcas mais latentes da autora, que encarava a escrita como um meio para elaborar significados para o que vivenciava. A aposta na caneta para dar forma e ordem possíveis ao caos foi decisiva para Didion elaborar o próprio mundo, o mundo íntimo.

É comum que a crítica aponte os artigos, perfis e reportagens de "O Álbum Branco" e de "Rastejando Até Belém", estudados em universidades estadunidenses, como parte dos momentos mais sublimes da não ficção de Didion. Me parece, contudo, que festejá-los por aqui da mesma forma como são festejados por lá é, de certo modo, repetir discursos um tanto prontos, que fazem bem mais sentido numa realidade e numa história que não a nossa, por mais que tentem (e consigam) nos entuchá-las há décadas.

"O Ano do Pensamento Mágico" e "Blue Nights" (ambos também publicados pela Harper Collins) são não só as portas de entrada mais interessantes para o universo de Didion, mas também os trabalhos nos quais a autora consegue, a partir de seu canto no mundo, ir muito além dos Estados Unidos. Ao mergulhar nos próprios dramas para escrever sobre o difícil processo do luto após a perda repentina do marido ("O Ano do Pensamento Mágico") e sobre o processo da maternidade ao se adotar uma filha, um novo luto e a forma de lidar com o envelhecimento e a senilidade ("Blue Nights) que Didion se fez uma autora eterna.

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