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Rússia X Ucrânia: Livros para entender o histórico de guerras na região
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Quando a guerra começou, logo me lembrei de três nomes: Kafka, Gógol e Svetlana Aleksiévitch. O primeiro nada tem a ver com massacre russo sobre os ucranianos. Kafka me veio à cabeça por conta de um peculiar registro em seus diários: "Alemanha declarou guerra à Rússia. Natação à tarde", escreveu no dia 2 de agosto de 1914, enquanto a Primeira Guerra Mundial começava. Já Gógol é óbvio: o autor de "O Capote" nasceu em território ucraniano numa época de Rússia imperial e, tempos depois, se consagrou como um dos maiores nomes da literatura de expressão russa. Voltarei a ele logo mais.
Svetlana talvez seja uma escolha um pouco heterodoxa para quem pensa estritamente em conflitos entre Rússia e Ucrânia. Em todo caso, ainda mais para este momento, considero importante o trabalho da bielorrussa que nasceu numa cidade ucraniana e levou o Nobel de literatura de 2015 graças aos livros escritos em russo. A descrição já dá um indício da complexidade daquela região do mundo, onde os territórios que vemos no mapa têm suas fronteiras redesenhadas com uma frequência que impressiona.
As tensões entre diferentes povos agrupados ao longo de séculos em países que eventualmente fizeram parte de impérios é uma das camadas do duríssimo "A Guerra Não Tem Rosto de Mulher", sobre a participação das soviéticas na Segunda Guerra Mundial. Enquanto um mosaico de vozes, pilar da literatura de Svetlana, relata o terror e a desumanização dos campos de batalha, podem ser notadas diferenças culturais e históricas entre quem estava do mesmo lado naquele pandemônio.
Se pouco tem a ver com a guerra, apesar dos cenários apocalípticos pós-desastre nuclear, em "Vozes de Tchernóbil" temos uma Svetlana mergulhada em território ucraniano para registrar um momento desastroso que a região viveu durante o período soviético, enquanto estava subordinada a Moscou. Não cravarei pois não li, mas é de se supor que "O Fim do Homem Soviético", sobre a queda do império, seja outro livro de Svetlana que pode ajudar a entender os emaranhados do lugar.
Extrapolando o meu umbigo, ouvi algumas pessoas que entendem pra caramba daquela literatura. Raquel Toledo, crítica literária e mestre em Literatura e Cultura Russa pela USP, com quem conversei recentemente sobre Dostoiévski no podcast aqui da Página Cinco, lembra: Mikhail Bulgákov é outro grande autor nascido no espaço ucraniano. O seu "Os Dias de Turbin" é uma peça que mostra um tanto da guerra civil na Ucrânia e da resistência de Kiev após a Revolução de 1917.
O gigantesco Liev Tolstói foi um nome bastante lembrado, mas não por "Guerra e Paz" ou "Anna Kariênina". Dele, Raquel indica dois livros a respeito de conflitos fronteiriços entre russos e ucranianos: "Os Cossacos", sobre um jovem que deixa Moscou e parte para o Cáucaso para se alistar no exército em busca de certas experiências, e "Hadji Murat". Este, aliás, foi recomendado com veemência pelo escritor e crítico literário Yuri Al'Hanati, responsável pelo canal Livrada!, que tem a literatura russa como um dos principais focos.
"'Hadji Murat' trata de uma caçada a um revolucionário do Cáucaso. Ele ia de encontro aos interesses do império russo, que tinha montado uma ocupação na região. O Tolstói manda bem ao colocar humanidade no inimigo, acentua o achatamento cultural que o imperialismo russo ameaça fazer na região e meio que pinta a imbecilidade do exército", argumenta Yuri.
Conde muitas vezes lembrado pela sua boa condição financeira e pelas ideias pacifistas, Tolstói integrou o exército russo durante a Guerra da Crimeia, que aconteceu na metade do século 19 na mesma área que a Rússia tomaria da Ucrânia em 2014 (mais uma amostra de como são perenes as tretas por ali). Esse momento da vida de Tolstói deu origem às três narrativas que integram "Contos de Sebastopol", outro livro que merece atenção.
Quem sai um pouco dos nomões é o jornalista e tradutor Irineu Franco Perpetuo, autor de "Como Ler os Russos" e outro que já esteve no podcast da Página Cinco para falar sobre o tema (os papos com ele e com a Raquel também podem ser boas fontes para entender a complexidade histórica do lugar, garanto). Irineu menciona "O Compromisso", de Serguei Dovlátov, retrato da imprensa oficial russa como disseminadora de notícias falsas.
"Esse livro conta a experiência de Dovlátov como jornalista nos tempos da União Soviética. Cada capítulo é uma pauta que ele teve que cumprir. Ele conta os bastidores da apuração e publicação de cada uma dessas pautas. Como a imprensa era estritamente vigiada e censurada, dá para imaginar o que acontece...", diz Irineu.
E voltemos a Nikolai Gógol, enfim. A um livro apontado por Yuri como indispensável e por Irineu como possibilidade por mexer "com o imaginário dos cossacos", um dos povos entre as fluidas fronteiras da Rússia e da Ucrânia. Falo de "Tarás Bulba", obra com pegada nacionalista sobre os cavaleiros cossacos e as batalhas contra poloneses no século XVI. Publicado em 1835, o trabalho é resultado de diversas pesquisas feitas pelo autor sobre a história e a cultura de sua Ucrânia natal.
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Livros citados nesta coluna:
'A Guerra Não Tem Rosto de Mulher' - Svetlana Aleksiévitch
'Vozes de Tchernóbil' - Svetlana Aleksiévitch
'O Fim do Homem Soviético' - Svetlana Aleksiévitch
'Os Dias dos Turbins' - Mikahil Bulgákov
'Guerra e Paz' - Liev Tolstói
'Anna Kariênina' - Liev Tolstói
'Os Cossacos' - Liev Tolstói
'Hadji Murat' - Liev Tolstói
'Contos de Sebastopol' - Liev Toslstói
'O Compromisso' - Serguei Dovlátov
'Tarás Bulba' - Nikolai Gógol
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