Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Poderoso Chefão: um filme melhor do que o livro? E isso importa?
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Apesar de ter recebido boas críticas com seus dois primeiros romances, a carreira de Mario Puzo como escritor ainda não tinha deslanchado. Aproximando-se dos 50 anos, com elogios ao trabalho mas pouco dinheiro entrando na conta, havia decidido que o próximo livro seria decisivo: se não alcançasse um público considerável, deixaria a literatura de lado.
Em março 1969, após a recusa de quase uma dezena de editoras, Puzo lançou aquela que poderia ser a sua última incursão no mercado editorial. "The Godfather", romance sobre mafiosos ítalo-americanos que comandavam parte significativa do crime organizado nos Estados Unidos, faria com que o autor tivesse que se defender de acusações sobre o suposto envolvimento com a bandidagem, tamanho o conhecimento demonstrado do submundo. E teve que lidar com esse tipo de questionamento tacanho porque, ao chegar às livrarias, imediatamente a ficção começou a vender, vender muito.
O livro encabeçou a lista de mais comercializados do New York Times, relação onde permaneceu durante 67 semanas. A adaptação para o cinema reforçou esse sucesso e, ao mesmo tempo, deu um novo impulso para que a obra seguisse rendendo boas cifras. Contagens mais recentes indicam: a possível última cartada de Puzo na literatura vendeu, ao menos, 21 milhões de exemplares pelo mundo.
Ainda assim, não há dúvidas que se trata de um trabalho menos badalado do que a sua versão cinematográfica. O romance de Puzo virou filme assinado por Francis Ford Coppola e lançado em 1972, com Marlon Brando e Al Pacino no elenco. O longa chega muitíssimo bem aos seus 50 anos, com um inegável lugar entre os maiores filmes de todos os tempos - para muita gente, inclusive um pessoal bem gabaritado, é o melhor.
Olhando para a importância de cada um dentro de sua própria arte, apenas um lunático questionaria que a versão para as telas explorou melhor os recursos do cinema e passou a ocupar um lugar bem mais relevante para tal arte do que o romance com sua pouca importância para a literatura. O próprio Puzo apontava o trabalho como um livro inferior aos que havia escrito antes.
Daí a simplesmente dizer que o filme é melhor que o livro há certa distância. E escrevo isso extrapolando "O Poderoso Chefão". Comparar livro e filme é o tipo de discussão bem-vinda em mesa de bar; serve para auê e gritaria. Ao pensarmos em arte, contudo, convém irmos além dessa superficialidade e entendermos como cada representação lida com as ferramentas e características inerentes à própria arte em questão.
Deslocar um pouco o olhar talvez ajude na reflexão. O que é melhor: a passagem a respeito da última refeição de Jesus presente na "Bíblia" ou "A Última Ceia", interpretação e recriação de Leonardo Da Vinci para aquele momento? A primeira trabalhará com elementos que fazem parte do universo da literatura, enquanto a segunda se apoiará em artifícios caros à pintura. Faz sentido comparar um afresco com um texto para chegar ao veredito de qual é superior?
Adaptações, versões e afins não precisam (ou não deveriam precisar) responder, se subordinar ou se submeter à história original. Muda-se a forma, mudam-se as técnicas, mudam-se os parâmetros, muda-se tudo, apesar de ser salutar tentar compreender como obras de diferentes campos dialogam.
Num tempo de gente dando chilique por conta de elfos negros ou de heroínas, ter noção dessa independência das linguagens e dos criadores é primordial - Puzo, aliás, dizia que a principal inspiração para Don Corleone era a própria mãe, então já faço meus votos para uma "Poderosa Chefona". Qualquer trabalho precisa ser avaliado de acordo com seus méritos ou deméritos, levando em conta a arte em questão. E comparado com pares desta arte, daí o debate será justo - e mais maduro.
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