Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A busca pelos segredos de algumas das melhores comidas do mundo
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Bill Buford tem lugar dentre os autores decisivos na minha formação como leitor. "Entre os Vândalos", obra na qual o jornalista estadunidense reporta a própria experiência em meio a hooligans ingleses, é um livro fundamental nessa caminhada junto à literatura. É de se estranhar que eu tenha demorado quase duas décadas para dar atenção para algum outro trabalho de Buford.
Não foi por falta de interesse. "Calor", imersão do autor pela cozinha italiana, me despertou curiosidade, só que deixei passar. Impossível ler tudo o que desejamos. Agora me debrucei sobre uma espécie de irmão francófono desse trabalho entre comidas e palavras feito pelo jornalista: "Cinco Anos em Lyon - Uma Aventura na Cozinha Francesa", recém-publicado no Brasil pela Companhia de Mesa (tradução de Guilherme Miranda).
Num rompante, Buford decide largar a vida ajeitada em Nova York, onde era editor de ficção da prestigiada revista New Yorker, e mudar com a mulher e os dois filhos pequenos para Lyon. A ideia era passar seis meses na cidade no sudeste francês para estagiar em restaurantes e aprender segredos da gastronomia mais badalada do mundo. Grande engano.
Com a família adaptada à Europa e tragado pela cozinha, Buford passa cinco anos entre caldos, reduções, doses obscenas de manteiga, facas, alcachofras, desossa de animais recém-abatidos, vinhos finíssimos (que, para meu gosto ou interesse, poderiam receber mais atenção) e a busca minuciosa pelas melhores matérias-primas.
"Cinco Anos em Lyon" é um livro que demora para engrenar. A primeira parte, repleta de indecisões e emaranhados burocráticos, deveria ser bem mais breve. É nela, no entanto, que já percebemos dois traços latentes no modo como Buford se retrata: alguém um tanto folgado com a esposa e espantosamente incapaz de cumprir horários e se disciplinar para certas tarefas. Principalmente essa segunda característica seria decisiva para a experiência (muitas vezes desastrosa) pelas cozinhas de Lyon.
Também há certo excesso na quantidade de páginas que Buford dedica aos bastidores da cozinha de um restaurante. O trabalho árduo, a exigência de uma disciplina militar, as relações truculentas e certa estupidez que parece imperar nesses espaços estão longe de ser novidade. Em outros dois pontos que estão os grandes momentos do livro. O primeiro é como o estadunidense e a sua família começam a se integrar à comunidade lyonesa e passam a criar laços de amizade apoiados pela boa comida.
O outro é a investigação que Buford empreende para sacar quanto a base da cozinha de Lyon (e da francesa, por extensão) deve às tradições culinárias italianas. Ou o quanto as trocas de experiências e o fluxo de informações entre povos fronteiriços e de hábitos diversos ajudaram a moldar duas cozinhas com virtudes bem diferentes, mas veneradas em todo o mundo. "Cinco Anos em Lyon" é um livro que cresce com o caminhar das páginas e brilha enquanto o autor mergulha no passado para "identificar o motor, o coração, o ponto de partida da cozinha francesa, aquele momento que engendrou uma poderosa cultura culinária".
E o que Buford aprendeu de fundamental em toda essa empreitada? A valorizar a comida que não nasce de terras cheias de pesticidas e que não carrega um monte de substâncias químicas, artifícios industriais ou firulas para mascarar ou emular aromas e sabores. "Aprendemos o gosto da comida boa. Isso vem de um lugar, como ocorre há milhares de anos, de um solo que é testemunha de sua história ancestral. A comida boa tem gosto dela mesma".
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