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Filme censurado e as formas cretinas de mascarar problemas graves
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Olho para a pataquada promovida pelo governo de Jair Bolsonaro contra "Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola", filme de Danilo Gentili, e me lembro de "Eu, Que Não Amo Ninguém", romance mais recente de Franklin Carvalho (Reformatório).
Em certo momento da obra, um personagem diz querer parar com a bebida. A coisa andava feia. Tinha vezes que manguaçava durante o dia todo, enquanto cuidava da fazenda onde trabalhava. A embriaguez fazia até com que vozes misteriosas ecoassem em sue ouvidos, o que lhe levava a pensar em besteiras contra a própria vida. Até que conheceu Rita. A mulher exigiu que parasse de beber. Então, o homem encontrou a solução.
"Eu parei de beber...". "Parou?", surpreendeu-se o outro. "Parei. Só bebo escondido da Rita", revelou o espertalhão. "O cretino falou aquilo assim mesmo, como se tivesse solucionado todas as coisas. E tinha solucionado, porque a sua inteligência era resolver os problemas daquela maneira", conclui o narrador e protagonista.
Problemas também são tratados dessa forma pelo governo. Carne trancada dentro de geladeiras de mercados, comida mais cara a cada semana, combustível a preço de vinho, uma série de esquemas opacos ou abertamente sacanas armados com o Congresso, ressaca da coleção de negligências, boicotes e crimes contra a saúde da população cometidos durante a pandemia, um laranjal de denúncias muito bem embasadas sobre corrupção... Como Bolsonaro e os seus solucionam? Atacando o filme do humorista sem graça, claro. Se desviam os olhares dos problemas, então problemas desaparecem, pensam.
A censura a "Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola" ecoa um movimento de perseguição à arte que começou ou ganhou força a partir dos ataques à exposição Queermuseu, em 2017. O alvo é outro, mas a raiz é a mesma: políticos que se aproveitam da falta de compreensão de parte das pessoas sobre o que é e qual é o papel da criação artística para, com um discurso moralista que não resiste a uma busca no Twitter, incendiar massas de inquisidores.
2022, e ainda precisamos repetir: o que está num romance, num filme, num quadro busca, normalmente, refletir aspectos da realidade. Não há obrigação alguma de que a arte seja edificante, moralizante, agradável, positiva ou qualquer tolice do tipo. Os seres mais odiosos podem e devem habitar a ficção. Direito do espectador repudiar o que entender repugnante, claro. Críticas à construção e à pertinência desses personagens também são bem-vindas, fazem parte da tensão necessária entre a criação e a recepção da obra. O que não dá é para termos de volta algo que Bolsonaro sempre deixou claro desejar: censura oficial.
No mais, é bom o livro de Franklin Carvalho, que em 2016 venceu o Prêmio Sesc com o romance "Céus e Terras" (Record). Narrativa pontuada por elementos fantásticos e que, ao mesmo tempo, dialoga com nomes como Graciliano Ramos e José Lins do Rego, "Eu, Que Não Amo Ninguém" está em consonância com uma literatura brasileira que volta os olhares para um Brasil rural, distante das grandes cidades.
Em meados dos anos 1960, João Isidoro vai para Penedo, Alagoas, para levar a um senhor de engenho um pó mágico, capaz de atrair mulheres. O portador da substância milagrosa tenta passar o fazendeiro para trás, o que acaba por prendê-lo ao território carregado de mitos e histórias reveladas a partir de encontros com homens e mulheres de perfis bem distintos, que carregam dores, mascaram tristezas e tentam se agarrar a fagulhas de felicidade. São personagens com nuances, sombras, virtudes, como pede uma ficção bem feita
Censurar o filme de Gentili - ou qualquer outro filme, ou qualquer outra obra - é mais uma ação arcaica de um governo obscurantista. Mas não que eu vá incentivar que gastem tempo com "Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola". É melhor ler Franklin Carvalho.
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