Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Patadas, conselhos e deboches de uma Nobel a escritores novatos
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Ao entregar o Nobel de Literatura de 1996 à polonesa Wislawa Szymborska, a Academia Sueca reconheceu a ironia como um dos principais traços da poetisa. Essa pegada irônica está bastante presente nas mensagens de "Correio Literário - Ou Como Se Tornar [Ou Não] Um Escritor", livro tão delicioso para leitores quanto potencialmente valioso ou ofensivo, a depender do que a pessoa está disposta a compreender, para quem almeja uma carreira literária. A obra ligeira, com seleção e organização de Teresa Walas e tradução de Eneida Favre, saiu por aqui pela Âyiné.
O título de uma seção do semanário polonês "Vida Literária" nomeia o livro. Cabia a Szymborska, escritora que faleceu em 2012, aos 88 anos, responder cartas de autores novatos que mandavam seus escritos na torcida arrumarem algum espaço na publicação. Extrapolando um mero "não publicaremos", Wislawa cunhava breves comentários sobre esses esboços de literatura.
"Lamentamos ter de responder constantemente: imaturo, banal, amorfo... Mas é que definitivamente essa não é uma seção para os laureados do Nobel", registra a polonesa em certo momento. Em outro, queixa-se de autores de 16 anos que se acham tão geniais quanto Rimbaud ou de quando alguém escreve um poeminha qualquer, ouve elogios de conhecidos e então pensa que a coisa é arte das grandes.
Patadas, conselhos duros, algum deboche, chamadas à realidade e iluminações sobre a arte se misturam nessas mensagens cheias de uma elegante acidez e da já mencionada ironia. São impressões rigorosas principalmente sobre poemas, com alguma prosa aqui e ali, incluindo uma surpresa com um conto de ficção científica. Apenas as respostas de Szymborska estão disponíveis aos leitores, então, cabe à imaginação cogitar como eram os versos e parágrafos dispensados pelo semanário.
Separei aqui nove respostas valiosas de Wislawa Szymborska enviadas a pretensos escritores:
Consolo: seja leitor
"'Ou vocês me dão alguma esperança de ser publicado, ou pelo menos me consolem...' Depois da leitura do seu texto, temos de escolher a segunda opção. E, portanto, atenção! Estamos consolando. Um destino maravilhoso espera pelo senhor, o destino de leitor, e de leitor da melhor espécie, pois desprendido; o destino de um amante da literatura, um amante que será sempre a parte mais forte do casal, ou seja, não aquele que precisa conquistar, mas o que é conquistado"
Parece que tem 12 anos
"'A Via Láctea, pelo meio do céu,/ Misteriosa, um pouco pesarosa,/ Se estendo como delicado véu...' Difícil acreditar que a senhorita já tenha dezoito anos, mais parece ter apenas doze e ainda não teve tempo de ler nem mesmo o mais modesto dos livrinhos de divulgação científica sobre as estrelas. Provavelmente essa leitura seria o bastante para que o poema subitamente lhe parecesse muito infantil, e o véu com o qual a senhorita comparou a Via Láctea lhe parecesse ter sido tirado com negligência da cômoda da bisavó. Porém se a senhorita tem de fato dezoito anos, então é melhor que outros escrevam poemas. E, ademais, não há por que invejá-los, pois é um ganha-pão muito penoso".
Ingênua e singela para escrever bem
"Vamos dizer logo uma coisa que vai deixá-la muito chocada: a senhora é uma pessoa por demais ingênua e singela para escrever bem. No âmago de um escritor talentoso remoinham diversos demônios. E mesmo que estejam adormecidos antes e depois de escrever (se é que deveriam estar adormecidos), durante a escrita eles atuam com vivacidade. Sem ajuda deles, o escritor não poderia se identificar com todas as vivências complicadas de suas personagens. 'Nada que é humano me é estranho' - oh!, essa sentença não pode ser aplicada às biografias de santos bem-comportados. Nossos cordiais cumprimentos".
Sentimentos na poesia
"Seria maravilhoso e justo se a força dos sentimentos decidisse por si só sobre o valor artístico de um poema. Com certeza, aconteceria então que Petrarca seria um zero à esquerda se comparado ao jovem de sobrenome - por exemplo - Bombini, pois Bombini realmente enlouqueceu de amor, enquanto Petrarca conseguiu manter-se num estado de nervos tal que lhe permitiu inventar lindas metáforas".
Criancinhas e a literatura ui-ui-ui
"A petizada corre para a escola tap-tap-tap, enquanto a chuvinha ping-ping-ping ou a nevezinha tchap-tchap... Quié isso? Mas é claro! São versinhos para crianças escritos por várias mulheres terríveis. A senhora está querendo se juntar a esse grupo. Não podemos proibir, mas imploramos que tenha piedade das nossas criancinhas, que fogem desse tipo de literatura ui, ui, ui".
Fé no tema
"O pecado original do estreante: a fé na onipotência do tema. Parece que basta inventar um tema para que a parte principal e maior do trabalho já tenha sido executada, e aquele resto menor, ou seja, sua narração, é uma ninharia sem qualquer significado mais sério".
Primavera
"Temos a seguinte regra: todos os poemas sobre a primavera tornam-se automaticamente desqualificados. Esse tema deixou de existir na poesia. Na vida, é claro, continua existindo. Mas são duas coisas diferentes.
O apaixonado
"Pelos poemas enviados, pudemos deduzir que o senhor está apaixonado. Alguém disse que todo apaixonado é um poeta. Mas isso provavelmente é um exagero. Desejamos boa sorte na vida pessoal".
Tem X Possui
"Agora Alice não tem mais um gato, ela possui um gato. A carreira dessa 'possessão' um tanto patética desenvolve-se com impetuosidade. Essa palavra até pouco tempo atrás se referia a uma propriedade grande e bastante durável. Atualmente 'possui-se' até uma passagem de bonde... Só que, neste caso, o que é que a pessoa mera e simplesmente tem? Não possuímos a menor ideia".
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