Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A morte que liberta, os rumos da vida e o amor aos 80 anos
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Não procuro por afago, acolhimento, descontração tola ou qualquer coisa do tipo quando pego um livro para ler. Pelo contrário, costumo preferir a arte que incomoda. Mas às vezes um momento mais tranquilo também cai bem. Raros são os artistas que me proporcionam horas tão agradáveis quanto o quadrinista francês Fabien Toulmé - já conversei com ele no podcast, ouça lá.
Nem sempre os trabalhos de Fabien são leves. A trilogia "A Odisseia de Hakim" retrata a vida de um refugiado sírio em busca de um novo lugar no mundo. "Não Era Você que Eu Esperava" é a história de aceitação de um pai à filha com síndrome de down, uma espécie de "O Filho Eterno" em HQ. São temas difíceis, mas tratados com a graciosidade cara ao artista.
Em "Duas Vidas" o tom é outro. Engatilhada pela iminência da morte, a narrativa discorre sobre a tomada de rédeas da própria existência e a realização de sonhos, num trabalho com ar de "Antes de Partir" - sim, falo do filme com Morgan Freeman e Jack Nicholson. "Suzette: Ou o Grande Amor", novo livro de Fabien que chega ao Brasil pela Nemo (tradução de Scheibe & Castro), tem pegada semelhante.
Suzette, a estrela da vez, acabou de perder o marido. Uma frase no velório que deixa Noémie, sua neta, encucada. "Não consigo nem ficar triste", diz a senhorinha de 80 anos logo após enterrar o ex-companheiro de toda vida. É Noémie, que acabara de começar a dividir o apartamento com o namorado, quem servirá de apoio a Suzette nos dias dedicados mais à compreensão da solidão do que ao luto.
A incerteza a respeito de como avalia a vida que levou paira na cabeça de Suzette. Apesar de amado e admirado pelo restante família, o ex-marido não era exatamente o que desejava nem foi o companheiro que ela esperava ter. Pressões e convenções sociais fizeram com que a agora idosa tolerasse a aguentasse o matrimônio até que a morte desse um fim naquilo.
Numa conversa, Suzette revela para a neta um dos seus maiores segredos: na verdade, jamais se esqueceu de um rapaz que conheceu na juventude, quando trabalhou na Itália. Não demora para Noémie e seu namorado - um beberrão que parece gostar mais de tomar umas com os amigos do que de estar com Noémie em momentos importantes - mapearem onde a antiga paixonite de Suzette poderia estar e convencerem a viúva a tentar reencontrá-lo.
Dividida entre a França e o litoral italiano, a narrativa, às vezes pedagógica demais, ganha força conforme acompanhamos a senhorinha de 80 anos deixando certa acomodação, abrindo-se para o mundo e voltando, de fato, a viver, não apenas existir.
Temas como tolerância, aceitação, o sexo na velhice, os caminhos da vida e a compreensão da felicidade possível perpassam esse trabalho de Toulmé. "Suzette: Ou o Grande Amor" caminha com a ternura e a graciosidade de uma comédia romântica e parece fazer carinho nos sentimentos do leitor. Vale para quem busca trocar, por alguns instantes, o caos geral por sorrisos bobos.
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