Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A importância dos sebos na história (e para o bolso) de um leitor
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Primeiro emprego: auxiliar administrativo numa empresa de cobrança. Trabalhava em um prédio colado ao metrô Anhangabaú. Na hora do almoço, Bar do Estadão. Gostava de mandar um nhoque recheado ou um bife com ovo no lugar da salada, isso no começo do mês, antes da grana do vale-refeição minguar. Depois dava uma volta pelo centro de São Paulo. Usava boa parte do tempo livre enfurnado nos sebos da região.
Se a memória não me trai, pelas lojas dos arredores da Praça do Patriarca que fiz uma das perguntas que mais repeti na vida: você tem o "Entre os Vândalos"? Da minha biblioteca, nenhum outro livro foi tão garimpado quanto o relato dos dias em que Bill Buford viveu entre hooligans ingleses. Não tinham. Ninguém tinha. Daí a insistência. Voltava aos mesmos sebos de tempos em tempos para repetir a questão e ouvir a mesma resposta: não, não temos o livro, não sabemos quem tem.
Lembrei essa época da vida enquanto escutava o nono episódio do bom podcast do LiteraturaBR. Na pauta da vez, Ivandro Menezes e Nathan Matos receberam o colega Darwin Oliveira, do canal Seleção Literária, justamente para uma conversa sobre sebos. Do papo, destaco dois pontos fundamentais. O primeiro é mais óbvio: procurar por livros nesses lugares costuma ser um bom caminho para economizar, ainda mais numa época de inflação amedrontadora.
Cuidar bem do bolso é fundamental. Outro aspecto, porém, transforma os sebos em lugares apaixonantes: a possibilidade de se entocar pelas prateleiras, vasculhar o arquivo e se deparar com títulos desconhecidos publicados nas mais diferentes épocas. Se livrarias focam principalmente nos lançamentos, sebos funcionam como um memorial de preciosidades (e entulhos também, não vamos negar) negociáveis que reúne desde livros também novos até exemplares que carregam consigo as marcas de outras épocas.
Provavelmente nas buscas por "Entre os Vândalos" que acabei por comprar o livro mais antigo que tenho. Me custou oito reais a edição de 1944 de "Os Cossacos" publicada pelo mítico Clube do Livro. "Leon Tolstoi leva o personagem metropolitano Olénine para o seio dêsse povo esquisito e interessante, como se quisesse cotejar a fraqueza física e moral do homem citadino, com caráter de aço dêsses homens habituados ao perigo e à morte", leio na nota explicativa.
Essas lojas, fontes de incontáveis quadrinhos lidos na infância, nos jogam na cara que a literatura que vale a pena ser lida vai muito além do hype, das modas da vez. Garimpando que me encontrei com a obra de Ryszard Kapuscinski e descobri "Os Eleitos", livro de Tom Wolfe que mais me impressionou. Já em outro emprego, aproveitava sebos na Alfonso Bovero ou nos arredores do Sesc Pompeia para me entender com alguns nomões.
A edição de "Lolita" que tenho é um horror (letras minúsculas são eternas inimigas), mas era o que a carteira permitia. "A Montanha Mágica" seguiu a mesma lógica. "Os Nus e os Mortos", de Normal Mailer, ainda aguarda para, quem sabe, um dia ser lido. Uma coleção de Tchekhov foi uma das primeiras extravagâncias que fiz com meu dinheiro. Também foi num sebo que, por 16 reais, achei um exemplar do simpático" O Livro Amarelo do Terminal", de Vanessa Barbara.
Recordo que me senti quase fracassado ao apelar à internet para encontrar, enfim, o meu "Entre os Vândalos". Descobri que o exemplar mais próximo estava em Bauru, a uns 350 quilômetros de onde vivo. Seria mesmo difícil achá-lo de outra forma. Ainda hoje, pela história que há nele e pela história que carrego com ele, é um dos meus livros fundamentais.
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