Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Rodoviária ou uma cidade? Livro mostra toda a vida que há no Tietê
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"Desnorteados, os passageiros andam em círculos ao desembarcar. Se encontram o balcão de informações, é provável que se ajoelhem e agradeçam aos céus. Parece inacreditável que, em uma cidade como São Paulo, exista gente disposta a prestar atenção no que os outros dizem e a tentar ajudar as pessoas com todo o interesse. Mesmo que a questão seja insolúvel.
- Você pode avisar minha tia que eu já cheguei?
- Como?
- Minha tia. A Odete. Eu vim de Piranhas e não avisei pra ela que eu já cheguei.
- O senhor quer que eu anuncie o nome da sua tia no sistema de som?
- Não, não, ela está em casa.
- Mas você não avisou que vinha?
- Ah, não.
- Tem o telefone? Endereço?
- Não. Mas você conhece a minha tia, não conhece?
Não, ninguém entende como é que, numa metrópole de 17 milhões de habitantes, não se conheça a Odete, da quitanda, o Décio, da farmácia, o Edevaldo, amigo do Tião. Para as garotas do balcão de informações, é normal alguém chegar perguntando pelo seu Francisco (eletricista, cabeludo, conhece?), a dona Maria, a Josefa da relojoaria, e por aí vai".
Na última coluna, enquanto escrevia sobre sebos, viajei longe ao me lembrar de "O Livro Amarelo do Terminal", de Vanessa Barbara. Publicada em 2008, numa edição caprichadíssima típica da Cosac Naify, a obra fazia muito barulho entre estudantes de jornalismo. Na época, deixava a faculdade para começar a especialização em jornalismo literário. O trabalho era, então, visto como exemplo de quão potente poderia ser a junção da precisão e da fidelidade às informações com as técnicas da arte.
Por essas coincidências da vida, o Terminal Rodoviário do Tietê acaba de completar 40 anos. É ele a grande estrela de "O Livro Amarelo do Terminal", reeditado pela Sesi-SP. O livro saiu em 2008, mas as apurações de Vanessa, claro, aconteceram antes disso, num tempo em que internet no celular estava longe de ser popular e as pessoas ainda se preocupavam em ter em mãos cartões telefônicos para usar nos orelhões. Não se deve olhar para aquele mundo da rodoviária do Tietê apresentado por Vanessa e imaginar que hoje tudo acontece exatamente da mesma forma. Certas marcas do tempo, no entanto, talvez contribuam para que o livro-reportagem se mantenha como uma pequena preciosidade.
Com olhar e ouvidos atentos para as histórias ocultas num lugar onde milhares de pessoas apressadas passam correndo todos os dias, Vanessa cavucou detalhes e apresentou as muitas realidades do terminal que compara a uma cidade. Uma cidade onde 100 mil cafezinhos e doze toneladas de pão de queijo são consumidos por mês, enquanto a cada faxina impressionantes trezentos quilos de chiclete são desgrudados do chão. Uma cidade de coisas perdidas, onde às vezes aparecem pessoas procurando por familiares há muito não vistos ou amigos desaparecidos.
Marcado pelo humor, no texto encontramos fragmentos curiosos, cenas cotidianas e diálogos saborosos pescados de forma algo bisbilhoteira. Também somos apresentados a personagens como os carregadores que levam de um canto para o outro do terminal de peixe e caixa de queijo a sofá, fogão, lustre e moto. O histórico cheio de maracutaias da rodoviária e as tentativas da assessoria de imprensa manipular e domesticar as informações que devem chegar ao público também estão ali.
A literatura não se faz apenas de lançamentos. Num cenário com leitores extremamente focados em novidades, a preservação e a valorização do que já foi produzido de bom se faz ainda mais necessário. Não esqueçamos, então, de "O Livro Amarelo do Terminal", de Vanessa Barbara.
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