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OPINIÃO

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Traços brasileiros marcam novas versões de A Revolução dos Bichos

Cena da adaptação de A Revolução dos Bichos escrita por Henrique Rodrigues - Ilustração de Adriana Cataldo
Cena da adaptação de A Revolução dos Bichos escrita por Henrique Rodrigues Imagem: Ilustração de Adriana Cataldo

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

11/05/2022 04h00

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No dia 1º de janeiro do ano passado, a obra de George Orwell entrou em domínio público. Em poucos meses nossas livrarias se viram inundadas por livros do britânico. Novas traduções de "A Revolução dos Bichos" e "1984" foram as principais apostas das editoras. Uma ou outra que deu atenção para trabalhos menos famosos - mas não menos importantes - de Orwell, como "Homenagem à Catalunha" e "Na Pior em Paris e Londres".

É um fenômeno comum: quando qualquer editora passa a poder trabalhar com a obra de um escritor famoso, quase sempre os caminhos seguidos são muito semelhantes. Depois de um tempo é que começam a pintar outras possibilidades a partir dos textos já consagrados. É o que acontece agora com "A Revolução dos Bichos" - ou "A Fazenda dos Animais", nome escolhido em uma edição da Companhia das Letras lançada no final de 2020, o que rendeu um bom debate sobre traduções e escolhas políticas.

Numa adaptação publicada pela Oficina Raquel e ilustrada por Adriana Cataldo, o escritor Henrique Rodrigues optou por trocar a Inglaterra da narrativa original pelo cerrado brasileiro em sua versão da história. Assim, é próximo a Brasília que se localiza a fazenda onde animais se revoltam contra os humanos e tomam o poder com o objetivo de construir uma sociedade mais igualitária. Quem conhece o texto de Orwell, grande crítico de qualquer forma de totalitarismo e do desvirtuamento de ideais, sabe que, no final, o que há é uma troca de quem está à frente de diferentes formas de exploração.

"Essa adaptação não altera em praticamente nada a história, mas revela o quanto ela não é só atual, mas universal", escreve Henrique na apresentação do volume. Com expressões que nos são caras (o fazendeiro "bêbado feito um gambá", por exemplo) e a narrativa ambientada nas cercanias do poder federal, chama a atenção que o autoritário porco Napoleão seja tratado como "mito" pelos seus apoiadores, com direito a ovelhas que repetem insistentemente o mantra: "É o nosso mito! É o nosso mito!". Semelhanças com certo político mitificado e assumidamente fã de regimes de exceção não devem mesmo ser ignoradas.

Traços brasileiros marcam novas versões de A Revolução dos Bichos. - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Outra adaptação mantém a história da rebelião rural na Inglaterra mesmo, mas leva para a ilha uma forma bem brasileira de se fazer literatura. Em "A Revolução dos Bichos em Cordel", Josué Limeira - que em 2016 foi finalista do Jabuti com uma versão semelhante de "O Pequeno Príncipe" - usa a métrica e o ritmo da poesia típica do nordeste para recontar a história feita por Orwell.

"Já não havia mais dúvida/ Sobre a transformação,/ A cara de todos os porcos/ Vivia a consumação./ E os bichos na janela,/ Fazendo sua sentinela/ Acharam a explicação.// Olhavam para um porco/ E depois, com o mesmo olhar,/ Olhavam para um homem/ Sem conseguir separar,/ Quem é porco, quem é homem,/ Falam, veste e até comem,/ De forma tão singular.// Entre um porco e um homem/ Não tinha mais distinção./ Os bichos, bem revoltados,/ Saíram do casarão,/ Voltaram aos seus currais:/ Eram apenas animais,/ Filhos da Revolução", lemos no final do volume ilustrado por Vladimir Barros e publicado pela Yellowfante.

Ainda sobre "A Revolução dos Bichos", não tem nada a ver com a leva de lançamentos pós-domínio público de Orwell, mas aproveito a oportunidade para lembrar a lindíssima releitura em quadrinhos feita pelo brasileiro Odyr e lançada em 2018. Se não conhece, vale conhecer.

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