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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mortes e livros: história do conhecimento é refúgio para tempos difíceis

Al-Farabi, um dos grandes personagens de Agora, Agora e Mais Agora. - Reprodução
Al-Farabi, um dos grandes personagens de Agora, Agora e Mais Agora. Imagem: Reprodução

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

22/06/2022 04h00

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É a filóloga espanhola Irene Vallejo que resgata uma constatação do psiquiatra austríaco Viktor Frankl sobre o tempo nos campos de concentração nazistas. "Paradoxalmente, muitos intelectuais suportavam melhor a vida em Auschwitz, apesar de terem pior condição física do que outros prisioneiros mais robustos", resume Irene. Afinal, escreveu Frankl, "sofriam menos aqueles que eram capazes de se isolar daquele ambiente terrível, refugiando-se no interior de si mesmos".

Não se trata de estabelecer comparações entre meus horrores e os horrores do nazismo, não é isso - seria de um ridículo sem tamanho, aliás. Mas penso em algo semelhante ao que Frankl registra enquanto escuto o podcast "Agora, Agora e Mais Agora", de Rui Tavares, e leio "O Infinito em um Junco", livro de Irene de onde retirei a informação sobre os intelectuais.

A escuta e a leitura, ambos em andamento, têm rendido momentos longos e preciosos para me desconectar do nosso pandemônio e curtir histórias sobre a construção de parte importante do conhecimento dos povos que habitavam o norte da África, o sul da Europa e o oeste da Ásia. Em dois trabalhos de fôlego, acompanhamos como ideias e saberes foram gestados e se espalharam ao longo de milêniospor aquela porção do mundo banhada pelo Mediterrâneo. A criação e o aprimoramento de uma nova tecnologia foram fundamentais para o processo. Falo, é claro, do livro.

Em "O Infinito em um Junco", há pouco publicado por aqui pela Intrínseca (tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht), Irene se apoia num admirável material bibliográfico para construir um longo ensaio sobre a criação do livro, das bibliotecas e dos movimentos que buscaram fomentar ou destruir os escritos deixados por diversas populações. É um título que tem feito sucesso por aí: foi traduzido para mais de 30 idiomas, virou best-seller em alguns países e rendeu prêmios à autora. Bom quando uma obra assim chega a uma porção ampla de leitores. Como escrevi, é uma leitura ainda em progresso, então deixarei a análise mais detalhada para outro momento.

Recomendado pelo escritor e colega jornalista Fred Di Giacomo, "Agora, Agora e Mais Agora", por sua vez, é baseado num livro homônimo e ainda em processo de escrita do historiador português Rui Tavares. Produzida para o jornal O Público, a série com 32 capítulos nasceu durante a fase mais aguda da pandemia de coronavírus. A ideia era oferecer aos ouvintes histórias que ajudassem a passar o tempo e fizessem pensar sobre como questões do presente e do passado convergem e se entrelaçam. Conhecer com alguma profundidade figuras como Al-Farabi, intelectual muçulmano que deu origem à palavra alfarrábio, nos ajuda a ter noção de como pode ser um grande feito a construção, preservação e difusão da sabedoria.

Não são histórias tranquilas. Não são histórias serenas. Bibliotecas são destruídas, cidades são massacradas e homens são trucidados por conta de suas crenças e ideias. Progressos e retrocessos se engalfinham na linha do tempo, assim é o mundo. Mas é bom poder levar a cabeça para outras Idades. Tanto escutar "Agora, Agora e Mais Agora" quanto ler "O Infinito em um Junco" traz a noção de que, apesar de tudo, sempre haverá quem esteja lutando para vivermos num lugar mais racional e harmônico.

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