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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Eis a questão: quando parar a leitura e dar um pé na bunda do livro?

Pintura de Bartolomé Esteban Murillo - Bartolomé Esteban Murillo
Pintura de Bartolomé Esteban Murillo Imagem: Bartolomé Esteban Murillo

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

25/07/2022 04h00

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Outra discussão que costuma causar desavenças entre leitores frequentes: largar ou não largar livros modorrentos?

Beatriz Sarlo, grande crítica argentina, diz que dá um pé na bunda quando a obra não lhe convence nas páginas iniciais. Não é só ela. Outros leitores que merecem a nossa confiança adotam prática semelhante, cada um com a sua métrica para saber qual é o momento de dispensar um título. Há quem leia as quinze primeiras páginas. Há quem prefira dar a chance da obra se mostrar no seu primeiro décimo, o que se transforma num bom punhado de páginas mequetrefes no caso dos tijolos. Há quem dê o veredito pela página inicial.

Direito de cada um. O leitor é soberano em suas escolhas. Eu mesmo costumava me dedicar a pelo menos 10% das páginas de qualquer obra que caía em minhas mãos. Com o tempo percebi que era besteira. O que é muito ruim costuma se revelar logo. Hoje adoto a mesma prática de Sarlo. Não me convenceu nas linhas iniciais? Passar bem, filho, quem sabe numa próxima...

Injustiças podem ser cometidas? Certamente são. Também faz parte do jogo. Lembro quando li "O Evangelho Segundo Hitler", romance de Marcos Peres vencedor do Prêmio Sesc de Literatura. De cara, achei uma bomba de clichês. Fui em frente porque já havia me apalavrado a resenhá-lo para o Rascunho. Questão ética: quando há o compromisso de se escrever criticamente sobre o livro, a leitura integral é obrigatória. Me surpreendi. Só perto do final que saquei a intenção da admirável obra.

Ainda assim, a sugestão que dou para qualquer leitor é: está achando o livro ruim, de leitura enfadonha? Deixe pra lá. Se já perdeu dinheiro, lamente-se, mas que não perca também o seu tempo. Porém, é preciso estar sempre alerta sobre as próprias práticas. Começar a descartar um livro atrás do outro pode ser sintoma de leitor cansado ou, pior, mimado, aberto apenas ao que já conhece, pouco disposto a compreender novas propostas, novas estéticas, outros universos.

O ideal é que o pé na bunda de um livro venha acompanhado de reflexão sobre os motivos de largá-lo. É a linguagem que está desleixada? O estilo do autor que não convence? Personagens toscos? História pouco interessante? Assim fica mais fácil de sondar se o livro é uma tranqueira mesmo ou se apenas não bateu com o momento de cada um como leitor.

Há títulos, claro, que merecem ir para uma prateleira de quarentena, onde esperarão por anos até que recebam nova atenção. É a prática mais recomendável quando a leitura empacada é a de um clássico. Já contei aqui: foram umas cinco tentativas ao longo de mais de década até me entender "Cem Anos de Solidão". Se a coisa não fluía, claramente era um problema mais do leitor do que do livro.

Como quase tudo na literatura, é uma biblioteca com veredas que se bifurcam. No final, cabe mesmo a cada um decidir qual rumo dará à própria história com cada livro e o caminho que traçará enquanto leitor.

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