Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Entre bibliotecas e clubes de tiro: o que o brasileiro quer da vida?
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No final de junho, falando aos seus, Jair Bolsonaro olhou para Lula e enxergou um risco: se o ex-presidente for eleito, clubes de tiro poderão ser transformados em bibliotecas. Soa como ameaça para muitos brasileiros. Não se enganem, vivemos num país onde milhões de pessoas consideram armas mais importantes do que livros e estandes de tiro mais importantes do que bibliotecas. O que vimos nas urnas em 2018 confirma isso.
Poderia dizer que a 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo deu uma resposta coletiva ao relincho bolsonarista. Foi mesmo bonito ver tanta gente interessada em livros encarando filas de horas, trombando entre as estantes, ouvindo boas conversas e circulando pelos pavilhões do Expo Center Norte. Passada a régua, o evento recebeu mais de 660 mil visitantes que compraram, em média, sete livros cada. Admirável. É um bem-vindo ponto fora da curva, não a nossa regra cotidiana. Não alimentemos ilusões.
Durante a Bienal, a Nielsen divulgou os dados da pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, encabeçada pela Câmara Brasileira do Livro e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros. O resultado é agridoce. 2021 registrou uma alta de 6%. O faturamento real do mercado, entretanto, é negativo - a inflação detona tudo. O histórico é ainda mais preocupante. Nos últimos 16 anos a queda real acumulada é de 39%. Recentemente, pelo menos, houve um crescimento no interesse pelas obras gerais, aquelas adquiridas espontaneamente pelos leitores.
Não há nada de agridoce em outro ponto, apenas um azedo rançoso mesmo. Entre 2015 e 2020 perdemos 764 bibliotecas públicas segundo informações da Secretaria Especial da Cultura. Eram 6.057, passaram para 5.293. Tony Marlon, colega de coluna aqui no Uol, lembrou que num passado próximo o cenário foi o oposto: o país ganhou 1.705 novas bibliotecas entre 2004 e 2011. Talvez a mudança de governo possa mesmo fazer com que voltem a surgir mais bibliotecas do que clubes de tiro pelo Brasil.
O que temos de fato, por enquanto, é biblioteca fechando e templos para armas sendo inaugurados. No ano passado, abriram-se 457 lugares para o povo das balas distribuir seus pipocos; neste ano, entre janeiro e março, apareceram mais 268 estabelecimentos do tipo, isso para ficarmos só nos regularizados. Revólver e fuzil no lugar de livros: é o que queremos? Essa pergunta foi feita milhares de vezes nos últimos anos, mas ainda causa perplexidade a resposta dada por parte significativa da população e pelo grosso das autoridades.
Por outro lado, uma parcela da sociedade se organiza. Há algumas semanas que a Carta Aberta em Defesa do Livro, da Leitura, da Literatura e das Bibliotecas está colhendo assinaturas. É um documento que reúne dez propostas endereçadas a candidatos que concorrerão às eleições deste ano em diferentes frentes. A ideia é ajudar a construir um caminho para reverter os tristes dados do setor, alvo de inegável descaso governamental nos últimos tempos. Eis o caminho para conhecer as sugestões e também assinar a Carta.
E que em breve os clubes de tiro deem lugar a novas bibliotecas.
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