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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O prazer de ter livros e a leitura como certeza de felicidade

Ilustração de Afonso Cruz presente na sobrecapa de O Vício dos Livros - Afonso Cruz
Ilustração de Afonso Cruz presente na sobrecapa de O Vício dos Livros Imagem: Afonso Cruz

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

29/08/2022 04h00

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Logo que a morte de Jô Soares foi confirmada, um bonito vídeo do apresentador no dia em que seu filho faleceu começou a circular pelas redes. No palco, Jô lembrou quando estava com Rafinha numa livraria e pediu para que a cria selecionasse metade dos 12 livros que desejava comprar. Diante da necessidade da escolha, o filho preferiu não levar nenhum. Escolher é perder sempre, explicou.

Outro vídeo que relaciona Jô aos livros pipocou pelo Twitter. Bem menos dramático, é o corte de uma participação do ator e jornalista no Roda Viva em 1995, época em que lançava "O Xangô de Baker Street". De forma breve, citou dois prazeres: o de comprar e o de ler. "Eu sou um comprador compulsivo de livros. Às vezes entro na livraria, compro um monte de livros e depois eu leio metade. Mas eu comprei. O prazer de comprar é quase tão grande, pra mim, quanto o prazer de ler o livro".

É uma variação de quem tem grana de um drama vivido pela maioria dos leitores: o apetite intelectual, o olho grande sobre as histórias, é muito maior do que o tempo que temos para dar conta de ler tudo o que gostaríamos. E não é falta de foco. Uma leitura puxa a outra. Um autor leva a outro. Uma dica se desdobra em diversas veredas possíveis. Quando vamos ver, são tantas as possibilidades que se apresentam que, mesmo se usássemos as 24 horas do dia para ficarmos mergulhados nos livros, uma vida não seria suficiente para saciar todas as vontades literárias.

Entendo o Jô. Não diria necessariamente comprar, mas ter por perto certos livros é quase tão prazeroso quanto ler grandes livros. Não que a simples presença de um exemplar mequetrefe de qualquer John Green chegue perto da leitura de um "Meridiano de Sangue", do Cormac McCarthy, não é assim que funciona. Sem grosserias. Olhemos para as sutilezas. Nosso imaginário tem seus filtros, daí a importância de escolher bem o que colocar na biblioteca.

Ter ao alcance da mão um "Contos Completos", do Julio Cortázar, é confiar que ali há inúmeras possibilidades de nos depararmos com deslumbres semelhantes ao da descoberta de algo tão bom e surpreendente quanto "Kramp", de María José Ferrada. Não é a mesma, claro, mas há graça tanto na expectativa de em algum momento perambular por "Eu, Tituba", de Marise Condé, quanto no desnorteio provocado pelas páginas de "Pedro Páramo", de Juan Rulfo.

Faz sucesso entre bons leitores a ideia de que os livros não lidos são tão importantes quanto os que já lemos. Há verdade nisso. Os exemplares fechados representam os intermináveis caminhos que ainda podemos traçar. Nunca sabemos em que momento um volume nos seduzirá a ponto de o escolhermos como a leitura da vez, mas é bom saber que há diversas alternativas literárias potencialmente memoráveis ao alcance das mãos.

Em "O Vício dos Livros", Afonso Cruz (sim, ando numa fase Afonso Cruz) entrega aos leitores uma simpática coleção de artigos sobre a relação com os livros. Ele escreve em "Como Encontrar Felicidade nos Livros que Não Lemos": "Muitos leitores sentem alguma culpa quando olham para pilhas de livros por ler. No meu caso, considero estes livros uma possibilidade de ser livre: não tenho apenas um livro para ler, tenho muitos, e isso permite-me escolher o próximo (no fundo de um espectro variado de possibilidades)".

Concordo com Afonso. Jô também concordaria, aposto. E o que nos une? Provavelmente uma constatação pescada pelo português da obra do francês Jules Renard: "Quando penso em todos os livros que tenho para ler, tenho a certeza de ainda ser feliz".

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