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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Natalia Ginzburg: verdadeiros romances podem nos devolver o amor pela vida

Natalia Ginzburg, autora de Não Me Pergunte Jamais - Francesco Gattoni
Natalia Ginzburg, autora de Não Me Pergunte Jamais Imagem: Francesco Gattoni

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

05/09/2022 04h00

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Na advertência, lá no final do volume, Natalia Ginzburg dá o toque: a ordem cronológica de leitura é a mais correta. Agradeço o aviso. Dispenso a maior correção proposta. Passeio livremente por "Não me Pergunte Jamais", livro recém-lançado pela Âyiné. É uma coleção de artigos publicados em veículos de imprensa italiana entre 1968 e 1970 e assinados por Natalia, também autora de obras como "As Pequenas Virtudes" e "Léxico Familiar".

Nos 32 textos de "Não Me Pergunte Jamais", Natalia e o seu olhar crítico oscilam entre o ensaio, a crônica e as memórias. O cotidiano no fascismo, o pós-guerra, a expansão das cidades e o consequente minguar da vida no campo se cruzam com assuntos como o trabalho, a atenção às crianças e a viuvez. Ao registrar a busca por um lugar para morar, a italiana dá uma amostra do rigor dispensado a si: "Será que na verdade eu não queria viver em casa nenhuma, nenhuma, porque o que eu odiava não eram as casas, mas na verdade era a mim mesma?".

São diversos os momentos em que nos deparamos com a acidez da autora mesmo num vagar mais despretensioso pelo livro. Um exemplo está no modo como observa a noção de individualidade se dissolver num mundo, considera, cada vez mais coletivo. Outro está no instante em que reflete sobre o envelhecimento e reivindica a solidão:

"Me parece ainda mais piegas, e ainda mais censurável, a postura inversa, ou seja, que nos obriguemos a amar e seguir toda novidade que aparece. Essa é uma ofensa ainda maior à verdade. Pois significa ter medo de mostrar como estamos agora, ou seja, cansados, amargos, já imóveis e velhos".

Difícil alguém questionar a honestidade de Natalia Ginzburg. Ao ponderar as razões para seguir com a assinatura da temporada de óperas que frequenta sobretudo para dormir ou pensar na vida, não se acanha em compartilhar: "Não acompanho a história das óperas. Nunca leio os libretos em casa, e no teatro não entendo nada das atribulações que se desenrolam e se entrelaçam entre cantos e músicas, mas não me imposto nem um pouco, aliás, as detesto".

Não Me Pergunte Jamais, de Natalia Ginzburg - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Há boas doses de literatura por esses registros de Natalia para a imprensa. Estão pelas páginas a escrita em si e as angústias de um escritor. Sobre a recepção da obra, assume sentir falta de olhares aguçados a respeito do que publica: "Sofremos a ausência da crítica da mesma forma que sofremos, na vida adulta, a ausência de um pai".

Confesso, saquei o livro da pilha de leituras futuras por conta de um texto que sabia fazer parte de "Não Me Pergunte Jamais". Encontro nele: "Eu amo tanto esse livro que temo que não falem o bastante, que o leiam pouco e que ele se perca em meio aos mil novos romances que saem e se amontoam sobre nós vindos de todos os cantos".

Natalia conta que a leitura de "Cem Anos de Solidão" começou ao acaso, sem vontade, com desconfiança. Depois, tudo mudou. Sentiu que ler o clássico de Gabriel García Márquez era como ouvir o som de uma corneta lhe despertando, tamanho o impacto. Gosto de Gabo. Gosto de ver outros escritores importantes tratando bem o colombiano.

Nesse artigo Natalia ainda discute a vida e a morte do romance. Passa também pela miséria intelectual de quem enxerga os pares de "Cem Anos de Solidão" como uma mera via para fugir da realidade. É aí que deixa um trecho que poderia fazer parte de qualquer tratado literário sobre o gênero:

"Li e amei alguns outros romances, pois os verdadeiros romances podem milagrosamente nos devolver o amor pela vida e a sensação concreta do que queremos da vida. Os verdadeiros romances têm o poder de nos livrar da covardia, da letargia e da submissão às ideias coletivas, aos contágios e aos pesadelos que respiramos no ar. Os verdadeiros romances têm o poder de nos conduzir, repentinamente, ao coração do real".

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