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Ignácio de Loyola Brandão: Agora a distopia é real

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

07/10/2022 04h00

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A literatura também serve para se vingar, para extravasar certos desejos, como nos mostra Ignácio de Loyola Brandão em certa altura de seu novo romance. Em "Deus, O que Quer de Nós?" (Global), Ignácio segue com uma de suas marcas mais caras: trabalhar na ficção com exacerbações do que encontramos em nosso cotidiano.

Apesar do deslocamento temporal do romance, as semelhanças com a nossa realidade são mesmo muitas. Estão ali a nação governada pelo Destemperado, o povo que briga por ossos e o confinamento provocado por uma terrível pandemia. O horror em que estamos metidos turva a noção de distopia. Ignácio diz que essa será a sua última obra com essa pegada. Dois de seus livros mais famosos, "Zero" e "Não Verás País Nenhum", seguiram linha semelhante.

"A realidade é distópica. Primeiro eu imaginava uma possibilidade. Agora não é mais imaginada, ela é real", comenta. No papo que vocês ouvirão a seguir, aliás, o autor fala sobre a triste história de um ipê-amarelo que serviu de ponto de partida para "Não Verás País Nenhum". É uma passagem que simboliza a brutalidade que nos sufoca.

Conversei com Ignácio dois dias depois da apuração do primeiro turno das eleições de 2022. Não havia como a política ficar de fora do papo. "Acho que vai levar muito, muito, muito tempo para este país se normalizar. Para entrar num real, numa possibilidade de democracia", diz o autor.

Para Ignácio, as redes sociais têm um papel central no desmanche do país. "Desde que criaram as redes sociais, essa coisa mudou [do Brasil ter um povo legal, bom]. As fake news são avassaladoras. A rede social manipulada como está sendo manipulada, com esse Gabinete do Ódio, isso catalisou. A rede social destemperou o mundo".

A falta de memória é outro problema central. "Penso no estudo da história. A história do Brasil vem sendo dilapidada, vem sendo restaurada de uma outra maneira, com outra versão. A ditadura não existiu para eles - e a Terra é plana. Tem uma necessidade de deturpar a própria história... Sem a memória, quem é você? A memória somos nós".

Também falamos bastante de literatura, claro. Do capítulo que perdeu enquanto escrevia "Deus, O que Quer de Nós?" e só foi encontrar com o livro já impresso. Da importância da leitura de autores contemporâneos. Das formas como a arte pode nos dar uma força.

*Após o papo, Ignácio escreveu para acrescentar duas informações que lhe fugiram enquanto conversávamos: o livro de Djamila Ribeiro mencionado é o "Carta Para Minha Avó"; o de Viola Davis, "Em Busca de Mim".

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